De Tarde
Naquele “pic-nic” de burguesas
Houve uma coisa simplesmente bela,
E que, sem ter história nem grandezas,
Em todo o caso dava uma aguarela.
Foi quando tu, descendo do burrico,
Foste colher, sem imposturas tolas,
A um granzoal azul de grão de bico
Um ramalhete rubro de papoulas.
Pouco depois, em cima duns penhascos,
Nós acampámos, inda o sol se via;
E houve talhadas de melão, damascos
E pão de ló molhado em malvasia.
Mas, todo púrpuro, a sair da renda
Dos teus dois seios como duas rolas,
Era o supremo encanto da merenda
O ramalhete rubro das papoulas!
A faceta pictórica da poesia de Cesário Verde assume neste relato de um episódio passado no campo contornos particularmente nítidos: levando o leitor a evocar “Le déjeuner sur l’herbe“, de Claude Monet, o “eu” descreve uma aguarela cujo centro cromático é o vermelho das papoilas que integram o ramalhete estrategicamente colocado entre os seios da jovem burguesa. Tal como o pintor dos finais do século XIX sai para a paisagem com o seu cavalete, o “eu” poético sai para o campo com o seu olhar, ferramenta sensível, que capta os flagrantes do real para, posteriormente, os trabalhar sob a forma de poema.

Cesário Verde 🇵🇹 (1855-1886) José Joaquim Cesário Verde foi um poeta português, considerado um dos pioneiros, precursores da poesia no século XX. Aborda temas como a dicotomia cidade/campo e a questão social. Sua poesia caracteriza-se pela objetividade e descrição precisa do quotidiano, utilizando um tom coloquial. Temas: ociosidade, inércia, artificialidade. Faleceu aos 31 anos por tuberculose.







