Ofício da fala
da suave fala das abelhas conhecíamos
o híbrido ouro dos abdómenes,
a transparência irreal das asas
carregadas de pólenes e desconhecidas tarefas
conhecíamos o murmúrio majestoso do mel
e de como à proximidade dos dedos
em pleno voo se solidifica a luz…
os corpos em cera clamam
pelo vagaroso olhar
das melíferas despojadas
e no rumorejar do místico alimento surge,
armazenada nos favos da língua, a fala…
…no fundo, eu atravessava-te sem me deter
nada sabia ou sei acerca da morte
nem das ruínas deste outro corpo
que o mel é capaz de ressuscitar…
In: Al Berto
Al Berto 🇵🇹 (1948—1997) Alberto Raposo Pidwell Tavares nasceu em Coimbra, foi poeta, pintor, editor e animador cultural. Distingue-se pela agressividade com que responde à disforia que cerca os passos do homem num universo que lhe é hostil. É no sofrimento, na sua violenta exaltação, na capacidade de o tornar presente (imagens de cidade putrefacta, na obsidiante recorrência da morte e do mal) que a palavra encontra o seu poder, combatendo o mal com o mal. À Procura do Vento num Jardim d’Agosto (1974), Uma Existência de Papel (1985), O Medo (1986), O Anjo Mudo (1993), Horto de incêndio (1997).







