1
Mar pela manhã
2
Murmúrio da nascente nas rochas
sobre os muros de pedra
3
Vento de mar à noite,
sobre uma ilha
4
Abelha
5
Voo triangular dos cisnes
6
Cordeiro recém-nascido,
formoso ariete, ovelha
7
O terno focinho da vaca,
o focinho selvagem do touro
8
O focinho paciente do boi
9
O rubro fogo na lareira
10
O camelo coxo que atravessa a grande cidade atravancada
a caminho da morte
11
A erva,
O odor da erva
12
‘ ‘’’’’’
13
A boa terra,
A areia e a cinza
14
A garça real que esperou toda a noite, quase gelada,
e pela aurora encontra com que aplacar sua fome
15
O pequeno peixe que agoniza nas goelas da garça real
16
A mão,
que entra em contacto com as coisas
17
A pele — toda a superfície do corpo
18
O olhar e o que ele vê
19
As nove portas da percepção
20
O torso humano
21
O som de uma viola
ou de uma flauta indígena
22
Um trago de bebida fresca ou cálida
23
O pão
24
As flores que despontam
da terra na primavera
25
Sono em um leito
26
Um cego que canta
e uma criança enferma
27
Cavalo que corre em liberdade
28
A mulher — os — cães
29
Os camelos que se banham
com seus filhotes no difícil Oued
30
Sol nascente
sobre um lago
ainda meio gelado
31
O relâmpago silencioso
O trovão fragoso
32
O silêncio entre dois amigos
33
A voz que vem de levante,
entra pelo ouvido direito
e ensina um canto
22 de março 1982
In: Marguerite Yourcenar, os trinta e três nomes de deus, Tradução de Mário Rui de Oliveira
Marguerite Yourcenar 🇧🇪 (1903-1987) pseudônimo de Marguerite Cleenewerck de Crayencour, escritora belga nascida em Bruxelas. As suas Mémoires d’Hadrien (1952) tornaram-na conhecida. Sucesso com L’Öuvre au Noir (1968), uma biografia imaginária de um herói do século XVI atraído pelo hermetismo e a ciência. Publicou poemas, ensaios Sous bénéfice d’inventaire (1978) e memórias (Archives du Nord, 1977), manifestando uma atração pela Grécia e pelo misticismo oriental em Mishima ou la vision du vide (1981) e Comme l’eau qui coule (1982). Foi a primeira mulher de Letras a ser eleita para a Academia Francesa.







