Em Syllogismes de l’Amertume (1952), Cioran destila seu pessimismo em aforismos, com o máximo de significação e o mínimo de signos, em dez capítulos pequenos, cheios de frases curtas e pensamentos intensos. O livro é carregado de estocadas críticas, depressivas, ácidas que machucam temas como o absurdo da vida, a decadência da civilização, suicídio, religião, solidão, desespero etc., em capítulos denominados, por exemplo, de “a atrofia do verbo”, “o circo da solidão”, “as raízes do vazio”, “a vertigem da história”. Afiado sarcasmo… talvez cinismo ou niilismo, combinado com metáforas desconcertantes e a visão cética do fracasso inevitável. Seu pensamento é original e doloroso, contudo contraditório, carregando a beleza poética da crítica à fealdade do mundo, em um estilo corrosivo que projeta imagens perigosas e vertigens existenciais. Inteligência perigosa na decadência da realidade.


Só cultivam o aforismo os que conheceram o medo no meio das palavras,
esse medo de desmoronar com todas as palavras.


Se Nietzsche, Proust, Baudelaire ou Rimbaud sobrevivem à flutuação das modas, devem-no ao desinteresse da sua crueldade, à sua cirurgia demoníaca, à generosidade do seu fel. O que faz durar uma obra, o que a impede de ficar datada, é a sua ferocidade. Afirmação gratuita? Reparem no prestigio do Evangelho, livro agressivo para não dizer venenoso.


Ipsis litteris:

  • “Fracassar na vida é ter acesso à poesia – sem o suporte do talento.”
  • “Um monge e um açougueiro brigam no interior de cada desejo.”
  • “Há dois mil anos Jesus de Nazaré desconta em nós o fato de não ter morrido num sofá.”
  • “Todo pensamento deveria lembrar a ruína de um sorriso.”
  • “O Real me dá asma.”
  • “A vida, esse mau gosto da matéria.”
  • “Concentrado no drama das glândulas, atento às confidências das mucosas, o Nojo nos transforma em fisiologistas.”
  • “Todas as águas são cor de afogamento.” post
  • “O erro da filosofia é ser demasiado suportável.”
  • “A morte se espalha tanto, ocupa tanto lugar, que não sei mais onde morrer.”
  • “Como todo iconoclasta, destrocei meus ídolos para consagrar−me a seus restos.”
  • “A história das ideias é a história do rancor dos solitários.”
  • “O segredo de minha adaptação à vida? Mudei de desespero como quem muda de camisa.”
  • “O que me dá a ilusão de jamais ter sido um iludido é que nunca amei nada sem ao mesmo tempo odiá-lo.”
  • “Só vivo porque posso morrer quando quiser; sem a ideia do suicídio já teria me matado há muito tempo.”
  • “No pessimista se combinam uma bondade ineficaz e uma maldade insatisfeita.”
  • “O grande crime da Dor é haver organizado o Caos, havê-lo convertido em universo.”
  • “Sobre um planeta que compõe seu epitáfio, tenhamos a dignidade suficiente para nos comportar como cadáveres amáveis.”
  • “Refutação do suicídio: não é deselegante abandonar um mundo que com tão boa vontade se pôs a serviço de nossa tristeza?”
  • “Desconfie dos que dão as costas ao amor, à ambição, à sociedade. Se vingarão por haver renunciado a isso.”
  • “O pessimista deve inventar cada dia novas razões de existir: é uma vítima do “sentido” da vida.”
  • “Nos tormentos do intelecto há uma decência que dificilmente encontraríamos nos do coração. O ceticismo é a elegância da ansiedade.”

In: CIORAN, Syllogismes de l’Amertume (1952)
Silogismos da Amargura
, tradução de Manuel de Freitas, ed. Letra Livre (2009)


Emil M. Cioran 🇷🇴 (1911 — 1995) foi um escritor e filósofo romeno radicado na França. Ao publicar “précis de decomposition” (1949), passa a assinar E.M. Cioran — esse “M” não tem relação com outros nomes. Um dos melhores conhecedores da obra de Cioran é Fernando Savater, um de seus mais importantes livros adentrando no pensamento de Cioran é Ensayo Sobre Cioran (1974). Ambos eram próximos e o livro termina numa entrevista, mostrando um pouco do lado pessoal de Cioran. Principais interesses: antinatalismo, misantropia, suicídio. Está entre os nomes mais pessimistas do cardápio do pensamento. Indigesto para muitos. Amargor em prato frio. Escreve sobre o Nada com N maiúsculo.