A menina desta história está possuída de uma incontida vontade de escrever e de rir o que esbarra com a vontade da madrinha de fazer dela uma criança normal, sossegada e, se possível, mesmo sisuda. A madrinha contraria a vontade de Maria escrever, no jeito impetuoso em que ela o faz. Castiga-a muitas vezes de modo cruel, mas não consegue levá-la a desistir do desejo de escrever, mesmo quando lhe corta a mão e a menina tem de imaginar a vida que esta leva separada do seu corpo. Mas este nunca esqueceu a mão que teve, por isso ela acabará por regressar.
“Se há coisa que nunca ninguém descobriu, e não se pode descobrir, é o que é uma menina. Como ninguém o sabe, ninguém sabe dizer com certeza quantas vezes uma menina pode nascer, quantas pode morrer, o que a mata ou o que a traz de novo à vida. Qual a diferença entre uma menina e um sonho? Ambos são esquecidos. Entre uma menina e um pesadelo? Ambos são lembrados. Entre uma menina e um machado? Ambos racham. Entre uma menina e um cão? Ambos ladram. Entre uma menina e um chapéu? Ambos servem a uns e não a outros. Entre uma menina e um cavalo? Ambos dançam. Se há mistério no mundo, é o de saber como as meninas se divertem. Descobri-lo obrigaria a saber dizer com certeza aquilo que um ser que ninguém conhece gosta de fazer para passar o tempo. Uma coisa é certa. Aquilo a que se chama “o mundo” é uma conspiração contra a alegria das meninas, contra as meninas se divertirem e se sujarem, contra o seu gozo e as delícias e silêncios desse gozo.”
Djaimilia Pereira de Almeida 🇦🇴🇵🇹 (1982-) é uma escritora portuguesa nascida em Angola. Cresceu nos subúrbios de Lisboa. Escreveu, entre outros, Esse Cabelo, Luanda, Lisboa, Paraíso e Três Histórias de Esquecimento. Seus livros estão editados em várias línguas. Recebeu o Prémio Oceanos, o Prémio Literário Fundação Inês de Castro e o Prémio Literário Fundação Eça de Queiroz. Escreveu no New York Times, la Repubblica, Neue Zürcher Zeitung, Folha de S. Paulo, Lit Hub, Expresso, Serrote, ZUM, entre outras. Doutorou-se em Teoria da Literatura na Universidade de Lisboa. Foi residente da Literaturhaus Zürich.
Isabel Baraona 🇵🇹 (1974-) nascida em Cascais, é licenciada em Pintura pela La Cambre (Bélgica) e doutorada em Artes Visuais e Intermedia pela Universidade Politécnica de Valência. Em 2013, foi bolseira da Universidade Rennes 2, no pós-doutoramento. É professora e investigadora integrada. Tem participado em diversas exposições individuais e colectivas, em Portugal e no estrangeiro. O seu trabalho está representado em coleções nacionais como Fundação D. Luís I/C. M. Cascais, MGFR, Eduardo Rosa, Safira e Luís Serpa, Fundação EDP, Centro Português de Serigrafia; e em colecções internacionais como Yolande De Bontridder e Galila Barzilaï-Hollander, entre outras.







