não sabe bem ao certo quanto tempo ele conseguirá. depende muito do mês, das ofertas e principalmente do tempo. dividir um quarto e algumas dívidas fez Alan perceber que as pessoas têm quase sempre as mesmas sortes, só que em momentos diversos, sob condições completamente distintas. no começo era um programador meio biruta que vivia com dinheiro no bolso e nenhuma ambição, desde que seu computador frankstein estivesse ligado, queimando o ar; até que ele foi embora sem dizer porque. depois, veio o Cau, um cara firmeza que comprava fruta-do-conde no farol e trabalhava no almoxarifado de uma empresa até quando foi mandado embora e foi embora do quarto também. as pessoas sempre indo e vindo, como se soubessem de verdade o que as moviam. Alan pensava que a vida era uma puta combinação de fatores externos e incontroláveis, um delirante fluxo de oportunidades boas e péssimas que sem ordem alguma mudavam o que você nem sempre queria mudar. e então você se acostumava, começava achar que era aquilo mesmo. É… é isso mesmo… aquela sensação de que o tempo passava e ele era sempre aquele monólogo intrigante. saíra de casa num arroubo de nervoso e puta que pariu, o pai desligava a chave central no quinto minuto de banho. a mãe sempre fumando um cigarro que ave…! e gastando centavos com jogo do bicho – nunca ganhara nada além de um murro certeiro do pai que não tolerava vícios, só a sua bebida, porque aí não era vício, era o estímulo do argumento que virava razão absoluta em poucas gotas. vez ou outra pais querendo dar o amor que há tempos não estava lá. cansara. saiu e alugou o quarto que fedia mijo e custava caro. levou uma ou duas doidinhas que achava na boate e fazia sexo porque achava que devia fazer, mas preferia bater uma e dormir só. a verdade é que Alan estava sempre muito cansado para explicar tudo o que nem ele sabia, por que esperava um meteorito (a menina não sabia nunca o que era um meteorito, via de regra), por que trabalhar com aquilo, por que não amava a família, por que não sorria, por que a música sempre repetida? por que David Bowie com ruído de rádio ruim? ele queria um cachorro, queria um par de asas e alguma erva que não oferecesse escolhas. nos domingos que já eram a angústia da segunda-feira, via a chuva cair e pensava que precisava achar um modo de mudar a ordem dos lasers de chances de sua vida. talvez amanhã…

 


Publicado na antologia de contos Contos da Terra, Contos da Garoa, em São Paulo, 2006.