imagem gerada no Midjourney

A dor da perda gera uma constelação de sentimentos. Não é fácil falar sobre morte, e muitas pessoas vivem o sentimento de perda desde a infância. Enquanto o tema da perda e do processo de luto é recorrente nas artes, fora da ficção as pessoas preferem fugir desta questão. No geral, nós, como sociedade, seja em  família ou como indivíduos, tendemos a querer “proteger” as crianças do processo da morte. Há quem  desencoraje gatilhos melancólicos. Mas há bons motivos para acreditar que as crianças podem lidar com o tema da morte e seguir otimistas, com bem-estar emocional. A arte tem o poder de tornar o tema mais leve e facilita a conversa com os pequenos sobre coisas que são tabu até entre adultos. Nos contos de fadas há personagens órfãos ou que precisam crescer com as adversidades que a morte ocasiona. E o livro é especialmente eficaz se a criança se reconhece na história. Abaixo, alguns livros infantis que abordam questões sobre morte, perda, elaboração do luto, vida após a morte, melancolia, saudade…


Mas por quê??! A História de Elvis
Peter Schössow, editora Cosac Naify

A menina esbraveja, grita ao mundo seu por quê? e por onde passa atrai curiosos para sua demonstração indignada. Elvis está morto; não o cantor, seu passarinho. Os amigos, então, providenciam um enterro e dividem com ela o momento de tristeza, mas também de boas lembranças. A leitura mostra que o luto pode ser esbravejado, e que, no fim, o que fica são as memórias. O livro é marcante por mostrar que é possível extravasar a dor, para isso passamos por momentos tristes, mas tudo fica bem no final.

Tags: morte de pet; extravasar a dor


Para Onde Vamos Quando Desaparecemos?
Isabel Minhós Martins, Madalena Matoso

“Já parou para pensar para onde vão as meias sem par? A areia da praia levada pelo vento? E o barulho, quando tudo fica em silêncio? Esses são alguns dos mistérios que a vida distribui aos montes, e a verdade é que algumas perguntas nem mesmo os adultos conseguem responder com certeza. A mais difícil talvez seja esta: para onde vão as coisas, e as pessoas, quando não estão mais aqui? Cada um tem uma resposta diferente, mas, já que ninguém sabe ao certo qual é a certa, podemos dar asas à imaginação e inventar mil e uma possibilidades.”

Tags: filosófico


A Vida Sem Léo
Andrea Maturana, Francisco Javier Olea (ilustrador), editora Rovelle

“Léo e Bia são muito amigos, mas de uma hora para a outra têm que se separar, porque a família de Léo vai se mudar para um lugar distante. Depois da partida dele, os dias se tornam tristes e solitários. E a melancolia abre um enorme vazio na vida de Bia. Por que a saudade dói tanto?” Mas, com o passar do tempo, a falta que ela sente do amigo parece diminuir. Será que ainda restará algum espaço para Léo quando ele voltar?

Tags: perda de amiguinho; saudade; melancolia


 

A Árvore Das Lembranças
Britta Teckentrup

A raposa levou uma vida longa e feliz na floresta. Mas quando sentiu-se muito, muito cansada, entendeu que era hora de partir. Tristes, os animais da floresta reúnem-se em volta da amiga para relembrar os momentos felizes que viveram juntos. Mas uma agradável surpresa irá aquecer o coração de cada um deles e transformar a dor da saudade em um alegre farfalhar de folhas ao vento. Um livro delicado e tocante, que celebra a vida e nos ajuda a resgatar as doces lembranças daqueles que amamos.

Tags: rituais junto à natureza; memórias


O Pato, a Morte e a Tulipa
Wolf Erlbruch, editora Companhia das Letras

Este tem poesia, tristeza e beleza. E tem essa coisa que se chama morte e que nos acompanha desde que nascemos… Certo dia, o pato vê uma caveira andando atrás dele. É a morte. Ele já não ia bem, mas não queria morrer naquele momento. Ela explica que sempre esteve por perto, para o caso de algum acidente, uma gripe forte ou um improviso. Eles vão passar juntos as últimas semanas de vida do pato e travar diálogos maravilhosos: “Vai ser assim quando eu estiver morto”, pensou o pato. “O lago, sozinho. Sem mim.”
Às vezes, a morte podia ler pensamentos.
– Quando você estiver morto, o lago também não vai estar mais lá – pelo menos não para você.


O Coração e a Garrafa
Oliver Jeffers, editora Salamandra

A menina era como todas as outras de sua idade: gostava de olhar as estrelas, o mar e tudo o que fosse novo. E perguntar. Um dia, a cadeira do seu avô apareceu vazia, ele havia morrido. A menina, insegura com a perda, decide colocar seu coração dentro de uma garrafa, longe de qualquer perigo. Com o tempo, ela deixa de ser curiosa e de prestar atenção nas coisas. Até encontrar com uma criança que era curiosa como um dia ela já tinha sido. E vai precisar colocar seu coração no lugar. Essa narrativa poética mostra como podemos ficar tristes, e isso leva um tempo, mas que o lugar do coração é mesmo batendo no peito.

Tags: morte de avô; processo de luto


O anjo-da-guarda do vovôO ANJO-DA-GUARDA DO VOVÔ
Jutta Bauer, editora Cosac Naify

São histórias do vovô, deitado na cama do hospital. As ilustrações e o texto se complementam, e está nos desenhos um detalhe precioso: o avô vai contando do que já fez durante a vida, das coisas que aprontou, do que passou. Mas em cada situação de perigo pela qual ele passa, um anjo o acompanha, zelando pela sua vida: segura um ônibus que quase o atropela, ajuda ele a carregar peso, afasta nuvens chuvosas, até faz papel de cupido. No final, o vovô fecha os olhos – e seu anjo agora segue acompanhando o netinho, sem que ele perceba. É de encher os olhos de lágrimas, o coração de saudade, mas também de conforto.

Tags: morte de avô; anjo da guarda


Fico à espera
Davide Cali e Serge Bloch, editora Cosac Naify

Davide Cali é o autor do livro O que é o Amor? e Um Dia um Guarda-Chuva, ambos portugueses. Um livro diferente! Primeiro, no formato: como se fosse um envelope, retangular – deixa logo a gente curioso. Dentro dele ilustrações delicadas e um fio de lã vermelho, que percorre o livro todo e acompanha a vida de um garoto: sua infância, adolescência, fase adulta e velhice. Cada momento, uma espera: ele está à espera e crescer, do beijinho de dormir, da partida do trem, da guerra, do nascimento do filho. Uma leitura deliciosa.


A grande questão
Wolf Erlbruch, editora Cosac Naify

Esse é outro livro de Wolf Erlbruch, o autor do livro aí em cima, O Pato, A Morte e a Tulipa – e vou logo contar, é muito difícil não não se encantar pelas obras do alemão! Aqui, a grande questão é a pergunta: afinal, por que estou aqui? A cada página dupla, um personagem diferente responde. O gato tem sua resposta, o soldado, o coelho – e também o pato e a morte, ali, do livro anterior. Algumas são cômicas, outras emocionam, todas são criativas demais e acompanham uma ilustração divertida. O comilão diz: “você está aqui para comer bem, aí está o porquê”; a pedra: “você está aqui para confiar”; a morte: “você está aqui para amar a vida”. Tão bonito!

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Eu me pergunto…
Jostein Gaarder, editora Companhia das Letrinhas

Se o livro A Grande Questão traz as respostas mais divertidas, este traz perguntas, e as mais difíceis perguntas.  Cabe a nós conversar e procurar as respostas. O que é o tempo? Tudo que já aconteceu desaparece para sempre? Foi Deus quem criou os seres humanos? Ou fomos nós que criamos esse Deus em nossas cabeças? são algumas delas. Um convite a à filosofia, para ler com crianças de mais idade. Escrito pelo mesmo autor norueguês do belíssimo O Mundo de Sofia.

Tags: filosófico


A preciosa pergunta da pata
Leen van den Berg e Ann Ingelbeen, Brinque-Book

Este é um livro bacana de ler com os mais pequenos. É essa a tal pergunta da pata: ela acaba de perder um patinho, e comparece a uma reunião onde os bichos debatem assuntos difíceis querendo saber isso, para onde vamos quando não estamos mais aqui. Cada um dá sua resposta, conforme o que imagina – o rio vai virar mar, o sol não vai sentir mais tanto calor, o rato voltará enorme como um elefante. Apesar do assunto difícil, o livro é leve, fácil de ler.

Tags: perda de filhote


Harvey
Como me tornei invisível

Herve Bouchard, editora Pulo do Gato

O livro traz uma supresa enorme. Esse é um livro pra crianças mais velhas, acima de 9 anos – mas é um livro pra emocionar muito adulto também. Na história, o menino Harvey e o irmão Cantin perdem o pai. Chegam em casa depois de brincar e deparam-se com a ambulância levando o corpo, a mãe as prantos – e então Harvey (o livro é na voz dele) tem que lidar com a ausência do pai. Entrar em casa, encarar o ambiente vazio (Harvey, entre outras coisas, não entende como o carro do pai ainda está na garagem se ele não está lá), a solidão da primeira noite. Harvey vai se sentindo pequeno sem o pai, se tornando invisível. As ilustrações acompanham a história lindamente – e ao folhear o pequeno livro, a sensação é de estar acompanhando um filme. Emocionante, triste, bonito demais.

Tags: m


É Assim
Paloma Valdivia, editora Edições SM

Há aqueles que chegam e aqueles que vão. Os que hoje chegaram, um dia também partirão. Pode ser o peixe da sopa de ontem, o gato do vizinho ou a tia Margarida. “Nós, que aqui estamos, choramos pelos que partem. É bonito lembrar. Nós, que aqui estamos, nos alegramos com aqueles que chegam. Damos a eles boas-vindas, gostamos de celebrar”. É dessa forma simples que a autora chilena explica o nasce-e-morre da vida. Gosto muito dessa simplicidade sem rodeios e sem mistérios, mostrando que tudo faz parte do ciclo da vida.

Tags: m


Meu Filho Pato
e mais contos sobre aquilo de que ninguém quer falar
vários autores
, editora Cia. das Letrinhas

São seis histórias com acontecimentos da vida da criança, como a chegada de um irmão e a perda de alguém muito querido.  As ilustrações são de Rafael Antón. Ao longo do seu desenvolvimento, toda criança vivencia situações de perda –  quando muda de casa, quando nascem os irmãos, quando adoece ou morre um ente querido -, que podem gerar reações fortes. Para que as crianças possam enfrentar esses desafios é importante que consigam expressar seus sentimentos, em conversas e brincadeiras ou através de histórias ficcionais. Pensando na dificuldade que muitos adultos têm em falar com seus filhos sobre a morte, o escritor Ilan Brenman, autor de inúmeros livros, e uma equipe de psicólogas  especializadas em situações de perda, resolveram convidar seis escritores para criar histórias. O resultado é um livro tão variado em estilos – há contos de humor, outros mais tristes, um psicodélico, cordel e poesia – quanto em conteúdo – muitas possibilidades para falar sobre a morte e entendê-la como um fenômeno inerente à vida.

Tags: variedade; projeto polifônico

Autoria

Julia Medrado (1985–), paulistana, mãe da Patrícia e do Tarcísio, vive em Portugal, é tradutora, publicista e mestre em Literatura e Crítica Literária. Graduada em Letras pela PUC-SP, é também especialista em Gestão de Projetos Digitais pelo SENAC. Presta serviços junto a redatores, revisores e tradutores; em 2010 criou a Tradstar e, desde então, se divide entre projetos, alguns literários e absolutamente pessoais, como este site que leva seu nome.