– você já bateu numa mulher?
– não, cara! nunca! o que aconteceu?
– eu espanquei a helô.
– quê?
– velho! eu destruí a cara dela!

a helô era a mulher e de escorpião e tinha uma apê na bela vista com fechadura quádrupla. tinha os seios pequenos e nunca, nunca, usava sutiã. ela nem tinha sutiã. a primeira vez que eu beijei a helô, ela tinha um gato no colo. o percival. o gato morava com ela. depois eu também morei com o gato. a helô era cabeleireira. hair stylist, ela queria que eu dissesse. ou sei lá o quê. a helô era morena dos cabelos sempre tingidos. a heloísa biscate. ela continuou mascando o chiclete. a helô era mais velha. quatro anos. quando eu nasci, ela já andava e já tinha tomado cerveja. heloísa B. bbbbbbbbbbb

helô? beija minha boca?

hálito de menta. dentinhos. como eu conheci a helô? no metrô. estação marechal deodoro. eu queria entrar, ela queria sair. ela tinha uma bolsa esquisita pra caralho e um apê na bela vista. eu comi a helô como comia todas as meninas da faculdade. sem amor. eu só queria comer ela mais de uma vez. mas quando eu acordei ela me pediu para ir comprar um litro de leite de saquinho. eu fui e nunca comprei um leite de saquinho com tanta alegria. o leite era metade pro gato e metade pra nós. leite puro é vida ela disse. naquele dia eu acreditei muito nisso. por tanto pouco tempo que foi minha vida inteira.
aí, levei minhas coisas pra bela vista. ela nunca disse que… nada disso. nem o percival. um som maneiro, uma mala com roupas, meu violão e um cinzeiro chileno. ela gostou do cinzeiro. ela era uma chaminé. a helô fumava free. ela tinha dois dentinhos tortos e eu parei de fumar. a helô não conversava nunca. a heloísa bueiro. uma vez o telefone tocou e era a cobrar. era a helô. tava na delegacia com uma amiga loura. eu cheguei lá e ela me olhou pesado.
a helô era viciada em cocaína. mas eu não achava, não. a helô era a minha mulher. a helô me disse que queria ter um filho meu. eu fiz contas. eu era page maker, sabe? internet. eu comi a helô e engravidei ela. só que no terceiro mês a helô abortou porque quis. a helô nunca estava muito ali. eu amava a helô. a heloísa disse que era só eu e ela no mundo e chovia muito, pra caralho mesmo. eu chorei, a heloísa não percebeu. aí no outro dia eu cheguei no apê da bela vista e meu som não tava lá. a helô precisou. eu dei 200 reais pra helô. ela nem encostou na grana. mas no dia seguinte a helô pegou e comprou uma samambaia de 35, o resto eu não sei. eu sempre fiz amor com a heloísa. ela gemia baixinho, bem baixinho. aí, um dia foi meu aniversário e a helô fez um bolo que não cresceu. mas não foi culpa dela. mas tudo acabou quando eu tava na rua e vi a helô dentro de um carro preto. eu gritei, ela não olhou. esperei porque nunca imaginei. a helô saiu do carro, abaixou a saia e amarrotou três notas na mão. a helô. eu fiquei puto, velho. eu não via o chão. rodei sem rumo. quando cheguei, a porta do apê tava aberta e o gato no canto da cozinha também já sabia. a helô tava caída no sofá, uma chupada nos pescoço. cresceu um ódio nas minhas tripas que acabou com tudo… foi quando eu perdi a cabeça e parti para cima da helô.

– mas quem era o cara?

e ela tava lá, com o nariz sangrando, tremendo de frio no mundo paralelo.
o cara comeu ela, velho. o cara comeu a mulher da minha vida com 30 reais.
eu não sabia o que fazer. você não sabe como dói. dói pra caralho… o pó era melhor que eu pra aquela vadia. aí não agüentei e rasguei a cara dela. ela nem gritou porque nem sentiu dor. ela nunca entendia porra nenhuma do meu amor por ela. chama a polícia, velho… chama a polícia.

 


Publicado na antologia de contos Contos da Terra, Contos da Garoa, em São Paulo, 2006.