Mucugê é uma das mais antigas cidades da Chapada Diamantina. De ocupação indígena, foi fundada no fim do século XVIII. Seus antigos casarões coloniais de estilo português são patrimônio tombado e um charme local. A economia da época girava em torno da mineração e, claro, dos diamantes. Hoje, é o turismo (graças à cadeia de montanhas, grutas e cachoeiras) e o agronegócio que sustentam a cidade.

Eu já havia visitado Mucugê, na Bahia, outras vezes, nenhuma tão festiva, já devo logo dizer. Junho é o mês ideal para ver a cidade enfeitada e animada. As circunstâncias me ajudaram: tirei uma mini-férias e viajei com meus pais (o que era inédito), reservando bons 15 dias em pleno mês junino, no São João baiano. A festa toma a cidadezinha durante uma semana, e os preparativos começam logo na primeira do mês. Turistas e visitantes da região lotam as ruas logo cedo nas feiras e bares. Tudo tem ares festivos, as casas estão decoradas, vestidas de chita. Com shows de forró pé-de-serra e muitas atividades católicas, como as alvoradas, missas e procissões, as pessoas não param quietas um só minuto. Apesar do vento frio (a região é de serras), as ruazinhas de pedra até se esquentam com a movimentação. É um zum zum zum alegre, simples e muito simpático. Mas também é possível ter tranquilidade nos arredores, com muitos passeios inesquecíveis.

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janelas da casa que foi da minha avó e hoje é de meu tio

 

Desta vez, como eu tinha mais dias, visitei casas de parentes e conhecidos, ouvi conversas, casos que minhas tias contaram… Absorvi um montão. Qualquer viagem traz muita coisa nova, mas esta, por ser parte da história do meu pai, tem uma importância pessoal para mim.


 

mucujê

Nome e fruto da cidade

O nome Mucugê vem do tupi mukuîé, mucujê, com jota mesmo, um fruto da família das apocináceas, que tem fama de difícil, duro e azedinho. Algo como um primo distante do kiwi. Eu mesma não tive a oportunidade de experimentar. Estes da foto eram do Projeto Sempre Viva, cujo projeto também funciona como museu do Parque Municipal de Mucugê e ocupa uma área de 270 hectares. Ali acontece a pesquisa para a reprodução da espécie endêmica de sempre-viva (syngonanthus mucugensis) que está ameaçada de extinção; geoprocessamento e criação de mapas locais; coleta e identificação de plantas (o herbário tem mais de mil plantas catalogadas).


barragem-do-apertado

Barragem do Apertado

Barragem do Apertado

A cidadezinha de Mucugê dispõe de muita água, pois é cortada por rios e afluentes, sendo o rio Paraguaçu sua maior fonte hídrica. Durante a época desta minha visita, as secas me mostraram um curso triste de água pouca, mas nada fora do normal. O trecho fica nas cercanias de Cascavel e está represado pela Barragem do Apertado, cujo espelho d’água segue por 24 km, um dos maiores da Bahia. A vista é simplesmente espetacular! As pedras ficam douradas, sequinhas, expostas pela baixa. Mas o frio estava cortante, difícil de acreditar que estávamos na Bahia, tremendo o queixo e tudo, mas ainda assim foi um dos melhores fim-de-tarde que poderíamos ter.


Eu, meu primo e a Ray

apelidei essa pedra de “cabeça de dragão”

Poço Azul

Um azul de beleza absurda, no fundo das formações rochosas de uma gruta. Esta jóia fica em Nova Redenção, a 65 km de Mucugê. Vá de carro. O esforço de atravessar riacho e descer as escadarias de acesso é menor que o medo de escorregar, quebrar os degraus de madeira ou despertar uma colmeia. Tem chuveirada gelada antes de entrar na quase intocada água cristalina do poço. Adentrei de biquíni verde bandeira, colete e snorkel. Impressionante que, mesmo com a profundidade e às vezes escuridão, dava pra ver claramente o que estava no fundo: pedras e um  imenso tronco de árvore, cerca de 25m abaixo dos meus pés. O tom azulado da água se deve basicamente a mesma quase mágica razão do céu ser azul: a luz visível que vem do sol é composta de todas as cores e, ao encontrar a atmosfera, passa direto, enquanto a luz azul bate nas moléculas de nitrogênio e oxigênio e são refletida em todas as direções. O frio da água, a altura e o medo de provocar algum movimento nas pedras, não impactam a sensação de estar em um lugar divino, muito próximo de algo segregado, tão especial e profundo. Durante o tempo que fiquei flutuando na água profunda, pura e silenciosa, mil coisas passaram pela minha mente. Senti outras tantas. É transformador, inenarrável.


CAMPO DE SEMPRE-VIVAS-DE-MUCUGE CHAPADA DIAMANTINA BAHIA BRASIL

campo de sempre-vivas

Cruzeirão

Subir uma montanha não é nada simples. Ainda mais pra mim que estou fora de ritmo. Pior quando a montanha é rochosa, repleta de mandacarus e espinhos do tamanho de agulhas. Nem vou falar da possibilidade de cobras, se eu tentei me esquecer disso durante todo o trajeto, por quê lembrar aqui, se já estamos a salvo? Os 40 min. de subida foram de esforços, pausas, taquicardia. Mas a vista compensaria tudo, ainda que fosse o dobro da trilha. Não apenas a cidade, mas também os rios, estradas, outras montanhas, caminhões do tamanho de grãos de feijão podiam ser vistos dali. E a flora? Exótica, agreste, solitária, às vezes de cor exuberante e caule espinhoso. Também encontramos sempre-vivas, espécies raras e típicas da região. Uma florzinha muito romântica, embutida de esperança. São assim chamadas porque suas flores mantêm, mesmo após destacadas da planta, a mesma aparência que tinham antes.


Festas Populares

Ainda é possível acompanhar as alvoradas, missas, novenas, quadrilhas, blocos e procissões deste mês tão especial. A festa tem uma extensa programação que inclue shows de forró, barracas de alimentação e muito agito.

 

 

 

 

 

 

Autoria

Julia Medrado (1985–), paulistana, mãe da Patrícia e do Tarcísio, vive em Portugal, é tradutora, publicista e mestre em Literatura e Crítica Literária. Graduada em Letras pela PUC-SP, é também especialista em Gestão de Projetos Digitais. Presta serviços junto a redatores, revisores e tradutores; em 2010 criou a Tradstar e, desde então, se divide entre projetos, alguns literários e absolutamente pessoais, como este site que leva seu nome.