Dirigido por Charles Möeller, espetáculo recebeu 130 mil espectadores no Rio, em dez meses de apresentações. 

Um fantasma ronda o Tom Brasil Nações Unidas a partir de hoje. É o “fantasma do fenômeno”. A definição é de Charles Möeller, diretor da “Ópera do Malandro”, referindo-se à estréia em São Paulo depois de dez meses de sucesso no Rio. O êxito será o mesmo?
Lançado em 1978, o musical de Chico Buarque virou filme em 1986, teve pequenas montagens nos anos 90, ganhou ambientação country na versão 2000 de Gabriel Villela, mas nunca fez tanto sucesso quanto agora. O teatro Carlos Gomes, no Rio, recebeu 130 mil espectadores e viu cenas poucos comuns no atual teatral brasileiro.
Aos domingos, com ingresso a R$ 1, pessoas chegavam às 3h da madrugada para conseguir uma entrada. Na hora do espetáculo, a platéia fazia coro com os atores, levantava-se durante as músicas e urrava, como num show de rock.
“Eu me sentia o Axl Rose [vocalista da banda Guns N” Roses]”, brinca Alexandre Schumacher, que interpreta o malandro protagonista, Max Overseas.
Afora os méritos da montagem, o principal motivo para tanto entusiasmo são as músicas de Chico. “Ópera do Malandro” tem, seguramente, a melhor trilha da história do teatro musical brasileiro.

Alessandra Maestrini (Lúcia) em destaque

“Se a versão de 26 anos atrás não fez tanto sucesso quanto a nossa, é porque muitas músicas estavam sendo ouvidas pela primeira vez. Agora, 60% das canções já são clássicos. Isso conta a nosso favor”, explica Claudio Botelho, diretor musical da “Ópera” que trabalha sempre em parceria com Möeller. Entre os clássicos estão “Folhetim”, “Pedaço de Mim”, “O Meu Amor” e “Homenagem ao Malandro”. Já “Geni e o Zepelim” marcou uma época, com o verso “joga a pedra na Geni” tornando-se metáfora para várias situações, não só as ligadas ao homossexualismo.
Mesmo diante de tanta qualidade, Botelho fez alterações em relação aos arranjos originais. “Tentei ser o mais respeitoso possível, mas não queria ficar preso ao disco [lançado em 1979]. “Folhetim”, por exemplo, virou uma valsinha, porque queríamos dar um encantamento mais infantil à canção”, diz ele.
No texto da peça, Möeller teve ainda mais liberdade para mexer. Em primeiro lugar, porque recebeu o aval de Chico. Em segundo, porque a peça tinha várias referências políticas que não caberiam hoje, como a alusão ao general João Figueiredo (1918-1999), que viria a ser o último presidente da ditadura militar. “Enxugamos bem o texto para tirar o ranço político da época. Afinal, hoje a esquerda está no poder, e o que era esquerda nos anos 70 é praticamente a direita de agora”, diz Möeller.
Quando filmou a “Ópera” em 1986, Ruy Guerra também mexeu na trama, mudou nomes de personagens, acrescentou outros. Chico não só deu o aval como também assinou o roteiro com o diretor. Do filme, Möeller e Botelho trouxeram para sua montagem quatro temas: “A Volta do Malandro”, “Desafio do Malandro”, “Las Muchachas de Copacabana” e “Palavra de Mulher”.
“Queríamos mostrar um pouco do que foi feito com a “Ópera” de 79 para cá. Por isso, trocamos músicas da peça por algumas do filme”, justifica Botelho. Da trilha original saíram “O Malandro”, “Doze Anos” e “Se Eu Fosse o Teu Patrão”.
Segundo Möeller, com os cortes no texto, ressaltou-se a família do dono de bordéis Duran e os conflitos deste com Max. Tendo se baseado na “Ópera dos Três Vinténs” (1928), de Bertolt Brecht – inspirada, por sua vez, na “Ópera do Mendigo” (1728), de John Gay -, Chico situou na Lapa carioca dos anos 40 o confronto entre aquele que explora em nome do capital e o malandro romântico que vive de mulheres, bebidas e noitadas.
“Não queria fazer só o estereótipo do malandro”, conta Schumacher. “Acabei encontrando a chave do desejo para compor Max. Ele deseja mulheres, poder, dinheiro, tudo de forma incontrolável. Mas quando diz “eu te amo”, ele está amando mesmo. É um homem livre”, exalta.
O elenco de 20 atores também conta com os experientes Mauro Mendonça (como Duran), Lucinha Lins e Claudio Tovar. Como as mulheres que disputam o amor de Max, estão Soraya Ravenle (Teresinha) e Alessandra Maestrini (Lúcia).