Se falo
É por aqueles mortos
Que dia a dia
Em mim se ressuscitam.
De medos e reguardos
É a alma que nos guia
A carne aflita.
E de espanto
É o que tecemos:
Teias de espanto
Ao redor da casa
Onde vivemos.
Trituramos cada dia
(Agonizantes amenos)
Constelações e poesia
E um certo jeito de amar
Que a nós, de vôos
E vertigens, não convém.
E quem sabe o que convém
A seres tão exauridos.
Concedemos
Alento, nudez, lirismo
E contudo o que mais somos
São estes sonhos
Adentros indevassáveis
Bosques lilazes
Caminhos levando ao mar
Aves
Aves.


Hilda de Almeida Prado Hilst (Jaú, 1930-2004) foi uma poeta, ficcionista, cronista e dramaturga brasileira. É considerada pela crítica especializada como uma das maiores escritoras em língua portuguesa do século XX. Seu trabalho aborda temas como misticismo, insanidade, erotismo e libertação sexual feminina. Hilst foi fortemente influenciada por James Joyce e Samuel Beckett, e essa influência aparece em temas e técnicas recorrentes em seus trabalhos como o fluxo de consciência e realidade fraturada.