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A crucificada

Ela, a crucificada, começa por lembrar que a “morte não é um uniforme”, ou sequer “uma camisa de noite” ou “um gato”. E vai desfiando as suas historias, a vida que deambulou por países, mares e continentes. José Gil escreveu, na primeira pessoa do feminino, um monólogo em que uma mulher diz o que sente e a que concedeu um ritmo que às vezes hesita e se interroga e logo volta a partir, sacudido, lento, voluptuoso.

Cemitério dos Desejos

José Gil

Cemitério dos Desejos foi publicado em 1990 pela editora portuguesa Relógio D’Água. Talvez se procure neste “Cemitiere des Plaisirs” de José Gil (curiosamente traduzido por Alfredo Margarido em 1990 como “Cemitério dos Desejos”) uma paráfrase prosaica do “Lisbon revisited”(1926) de Pessoa/Campos, onde diz:

“Fecharam-me todas as portas abstractas e necessárias.
Correram cortinas por dentro de todas as hipóteses que eu poderia ver da rua.
Não há na travessa achada o número de porta que me deram.
Acordei para a mesma vida para que tinha adormecido. (…)”

Talvez se encontrem, apenas, “extractos de um caderno de viagem” quase imaginário escondendo a realidade que nenhum agrimensor pode fragmentar: a de que qualquer viagem na (à) cidade é um percurso que se refaz incessantemente, um percurso sem terminus como todas as carreiras circulares de eléctricos cujo guarda-freio é, simultaneamente, o condutor. A linha que vai do “Castelo” aos “Prazeres”é, precisamente, a mesma que leva dos “Prazeres” ao “Castelo”na interminável sucessão de quotidianos cujos carris de (des)encontram. (Des)encontros que no livro de José Gil têm nome: “A ilha dos amores”, “a lotaria”, “os eléctricos”etc. (Des)encontros a que a cidade revisitada obriga e a que não faltam o absurdo, a sedução e o equivoco das coisas pressentidas entre o desejo e o cemitério dos prazeres, que é também o cemitério da vontade.

As ilustrações que acompanham cada capítulo são assinadas por Jorge Lima.

Era preciso dar ao povo o sopro heroico que o levara às Descobertas. Era preciso voltar a abrir o horizonte dos mares, sem os arrancar à terra. Insuflar-lhes uma nova espiritualidade, graças à transformação dos seus prazeres profanos. Conservar as suas alegrias simples, mas longe da Boca do Inferno. Oferecer-lhes um outro destino, mas sem aventura. Um novo impulso, outras satisfações, mas no interior da religião. Era preciso, em resumo, meu amigo, uma mística modesta, à medida do nosso caráter. Preguei, preguei e convenci. As multidões começaram a encher a catedral, e ouviam-me. Semana após semana, a minha ideia abria o seu caminho nos espíritos. Olhe para o nosso país! Toda a costa, do Norte ao Sul, é constituída por falésias a pique, de mais de cinquenta metros de altura. Propus que se instalassem redes imensas, a alturas diferentes, dez, vinte, trinta metros, para que as pessoas se pudessem atirar sem perigo do alto das falésias. O voo místico! O voo oblíquo, um pouco para cima, sem olhar muito para baixo, em conformidade com o nosso espírito nacional.

 

 

Portugal, Hoje — O Medo de Existir

José Gil

Portugal, Hoje — O Medo de Existir aborda traços de mentalidade (desde a inveja à dificuldade de inscrição) que por serem particularmente acentuados no nosso país, entravam o seu desenvolvimento, abertura ao exterior, e, sobretudo, a sua dinâmica interna. E por “dinâmica interna” José Gil entende “um movimento profundo, para além do plano sociológico, que faz mexer as pessoas e as liberta para todo o tipo de procuras, invenções, experimentações nas várias dimensões da vida”. O livro revela que um pensamento criativo e com conceitos próprios se pode exprimir numa linguagem acessível. José Gil foi considerado, no número especial do Le Nouvel Observateur, de Dezembro de 2004, como um dos 25 grandes pensadores de todo o mundo, ao lado de Richard Rorty, Peter Sloterdijk, Toni Negri e Slavoj Zizek.