tag . Relógio D'Água

A Íris Selvagem

Louise Glück

Louise Glück recebeu o Prêmio Nobel da Literatura de 2020 e esta foi a principal razão de eu ter procurado sua poesia, pois não a conhecia antes. Na justificação da Academia Sueca fala-se da sua “inconfundível voz poética, que, com uma beleza austera, tornou universal a existência individual”.

Tanto em Averno (2006) como em A Íris Selvagem (1992), a autora recorre a imagens recriadas da sua herança clássica pelos poetas greco-latinos, o que lhe permite usar imagens universais para abordar a dor e a fragilidade dos seres humanos dos nossos dias. Louise Glück recebeu alguns dos principais prémios literários norte-americanos , tendo A Íris Selvagem sido contemplado com o Pulitzer.

 A tradução desta edição bilingue da Relógio DÁgua é de Ana Luísa Amaral.


8 de outubro de 2020.
Eram 7h00 quando Louise Glück, poeta norte-americana de 77 anos, recebeu um telefonema da Academia Sueca. Do outro lado da linha chegava a notícia: havia sido laureada com o Prémio Nobel da Literatura. Duvidou da veracidade do telefonema e a incredulidade que se seguiu atrapalhou a resposta a algumas perguntas. Em entrevista ao The New York Times, nesse mesmo dia, e já refeita da surpresa inicial, demonstrou a sua incompreensão quanto ao facto de ter sido a escolhida. “Fiquei espantada que escolhessem um poeta branco americano. Não faz sentido algum.”

Entre os favoritos, nas listas de apostas deste ano, constavam essencialmente nomes de mulheres, sendo Maryse Condé, Jamaica Kincaid e Anne Carson as mais referidas. A 16.ª mulher a ser galardoada com o Prémio Nobel da Literatura foi escolhida pela sua “voz poética inconfundível que, com uma beleza austera, torna a existência individual universal”. Louise Glück nasceu em Nova Iorque, em 1943, numa família de emigrantes judeus vindos da Hungria. No colegial, uma anorexia, e a terapia que se seguiu, durante anos, levou a que interrompesse os seus estudos. A psicanálise acabaria por marcar a sua escrita. Em 1968, publicou a sua primeira obra, Firstborn, que a levou para os primeiros lugares da literatura contemporânea americana. É ensaísta, poeta e professora de língua inglesa na Universidade de Yale. Suas influências são Rainer Maria Rilke e Emily Dickson. Tem 14 livros de poesia e 2 de prosa e já arrecadou prêmios de peso, como o Putizer (1993), por The Wild Iris e o National Book Award (2014), por Faithful and Virtuous Night.

Louise prepara-se para lançar uma coletânea de poemas, Winter Recipes From the Collective, onde a morte é tema dominante, como aliás acontece em quase todo o seu trabalho. Escrevo sobre a morte desde sempre. Foi um choque ter descoberto, na infância, que isto não dura para sempre.”

“A escrita dela é como uma conversa interior. Talvez esteja a falar consigo própria, talvez esteja a falar conosco. Há ironia nisso.” diz Jonathan Galassi, editor e amigo. Para abordar as “batalhas e alegrias”, comuns a todos, inspira-se frequentemente na mitologia clássica. Apesar de se assumir como uma pessoa bastante sociável, não gosta de dar entrevistas. “A maioria das coisas que tenho para dizer é transformada em poemas. O resto é só entretenimento.”

 

Poderes da Pintura

José Gil

“Estamos longe da tendência para “sair da tela” ou de a tela reproduzir a vida. Quando se dizia, classicamente, de um pintor que ele conseguia que o espectador “entrasse” nos seus quadros (como Kandinsky nas suas memórias, descrevendo o seu sentimento, na infância, de ter uma impressão tão profunda da cena pintada que lhe parecia penetrar e percorrer as ruas do quadro como se fossem reais), evocava-se tanto o poder de ser afectado do espectador como o de afectar do pintor. E supunha-se que o quadro se reduzia à imagem finita, contida dentro de limites geométricos precisos, na superfície bidimensional da tela. Raramente se considerava o “sair da tela” das forças do quadro que se desdobravam no espaço para além da área pintada. O quadro consistia naquela superfície; tudo o que a ultrapassava era da ordem da ilusão, da alucinação.”

“(…) Porque não existe um espaço pictural plano, porque a pintura projecta imediatamente as linhas e figuras no ar, para cá e para lá da tela — uma cor cria logo um volume que sai do fundo branco —, Ângelo (de Sousa) foi levado a construir um plano flutuante, próprio do desenho, que foge à superfície bidimensional.”

Ângelo César Cardoso de Sousa (Moçambique, 1938 – Porto, 2011) foi um escultor, pintor, professor e desenhador português. Autor de uma obra complexa, multifacetada, Ângelo de Sousa destaca-se como um dos artistas marcantes da segunda metade do século XX português. Ao longo das últimas décadas a sua obra foi alvo de importantes mostras individuais em alguns dos mais conceituados espaços expositivos portugueses