“A Sociedade dos Sonhadores Involuntários” sonha a liberdade para Angola

Em A Sociedade dos Sonhadores Involuntáriosde José Eduardo Agualusa, todos os personagens se ligam ao sonho. Acima de tudo, todos eles sonham um novo futuro para Angola. Assim, o décimo quarto romance do escritor angolano é uma fábula que revela o contexto político do país africano, criticando o status quo, que se funda em corrupção, desigualdade e ausência de liberdade. Inspirado nos dezassete activistas angolanos detidos – entre eles, Luaty Beirão -, Agualusa narra um combate político que consegue derrubar o governo de Angola. Afinal, como evidencia na epígrafe: «o real dá-[lhe] asma» (E.M. Cioran).

O protagonista do romance é Daniel Benchimol, um jornalista que se especializou em desaparecimentos de pessoas, verbas e objectos. Sonha a vida inteira de pessoas que existem, mas ainda não conhece. Ao longo da narrativa, Daniel encontrar-se-á constantemente numa espécie de entre-lugar: o seu casamento com Lucrécia termina por criticar «os erros do Governo porque sonhava com um país melhor» e no momento do combate tende a evidenciar cobardia. Nos instantes em que renega o medo, chama-se Demónio Benchimol e «sofre surtos de bravura».

Daniel não será o único narrador da obra. Em alguns momentos, far-se-á ouvir a voz de Hossi Kaley, o proprietário do Hotel Arco-Íris. Ao contrário de Benchimol que defende um combate pacífico, Hossi apregoa o grito da revolta e recusa-se a sucumbir ao medo, porque «O pacifismo, meu irmão, é como as sereias: não respira fora do mar da fantasia, não se dá bem com a realidade». E se Daniel sonha a vida das pessoas, o hoteleiro vagueia pelos sonhos dos outros.

O que unirá ambos os personagens ao longo da narrativa será a actividade onírica, o combate político e o grupo de jovens activistas detido por desrespeitarem o Presidente de Angola. O país africano da obra de Agualusa caracteriza-se por uma política antidemocrática, que cultiva o medo e privilegia somente um restrito grupo de cidadãos. Porque haveria Angola se de reger por uma democracia se «Deus fez os leões e fez as gazelas, e fez as gazelas para que os leões as comessem. [Ou seja,] Deus não é democrático»? Para destronar o Presidente angolano, sete jovens revoltam-se contra o sistema político, social e económico do país, acabando detidos. Entre eles, encontram-se Karinguiri – filha de Daniel Benchimol – e Sabino Kaley, electricista e o sobrinho mais velho de Hossi. A questão coloca-se: «Como é que vocês podem ter medo de um regime que estremece quando sete jovens sem poder algum lhe levantam a voz»?

Uma fábula política, satírica e divertida em torno dos sonhos, criada por um dos mais premiados autores lusos contemporâneos. O jornalista Daniel Benchimol sonha com pessoas que não conhece. Moira Fernandes, artista plástica moçambicana radicada na Cidade do Cabo, encena e fotografa os próprios sonhos. Hélio de Castro, neurocientista brasileiro, desenvolveu uma máquina capaz de filmar os sonhos de outras pessoas. Hossi Kaley, hoteleiro, com um passado obscuro e violento, tem com os sonhos uma relação muito diversa e ainda mais misteriosa: ele pode caminhar pelos sonhos alheios, ainda que não tenha consciência disso. O onírico e seus mistérios acabam por unir estes quatro personagens numa dramática sucessão de acontecimentos, desafiando e questionando a sociedade e suas regras, além da própria natureza do real, da vida e da morte. Uma fábula política, satírica e divertida, que desafia e questiona a natureza da realidade.

Além do questionamento, Agualusa revela coragem em contar uma Angola antidemocrática, decalcando o regime vigente e os acontecimentos que se têm desenrolado no país africano. É uma narrativa que cresce na simplicidade e na prosa poética e delicada que os escritores africanos nos têm habituado. Ademais, o misticismo – que também encontramos, por exemplo, no autor moçambicano Mia Couto – assume-se como um dos motes da trama.

Ainda que Sociedade dos Sonhadores Involuntários tenha cumprido o seu propósito, depois de nos fazer questionar o cinza que impera entre o preto e o branco, Agualusa escreveu uma luta política um tanto cor-de-rosa e maniqueísta, criando uma segregação óbvia e estereotipação nos grupos sociais, em alguns personagens e nos próprios eventos.

 

“Agualusa é um tradutor de sonhos. A sociedade dos sonhadores involuntários é um romance tecido com os mais delicados materiais da poesia.” — MIA COUTO