✏️ Escritos

280 volts

280 volts. Esta foi a voltagem que apurei do farol sem ver.
O mar bem dentro de mim, escuro, profundo, rochoso.
A trovejar, tanto a tramar, para travar, me torturar talvez.
São sentimentos… aguados, amolecidos, desazulejados.
O córdão um recipiente carnal, todo si vaso fundo e um.
Um canal.
É o que move o lodo mudo e anodoado dos contados.
Anos.
Nem comecei a soltar e a fiação desencapada já choca.
Em eletrizantes frustrações a percorrer veias vazias.
Num inchaço do que evapora fechado, ferido, mais feio.
Ai
Há quem saiba surfar, saídos e sadias, moluscos de sal.
Mas aqui se afunda.
Mais.
E sem casca, sem casa, sem caso.
Como anúncio de buraco.
Como bica de indigente.
E ainda assim não cheira.
Só chora.
Ganhar e perder amigos, como conchas que se escolhe.
Ou deixa por lá, por ali.
Porque furam, quebram, oxidam, chocalham se levarmos.
Ainda que formem contas de colares litorâneos, literais.
É preciso mudar a voltagem, numa viagem de volta.
Pelo mar.

A noção de Fora

Maurice Blanchot

É necessário, mesmo que de modo precário, compreender minimamente o conceito de Fora. Ele aparece na obra de Maurice Blanchot (1902-2003), sendo desdobrado posteriormente por Foucault (1926-1984) e Deleuze (1925-1995) como didaticamente compreende Levy (2003).

Blanchot fala de necessidade de diferenciar a linguagem cotidiana da linguagem literária. Diz-nos Levy falando do pensamento de Blanchot:

O Fora constitui, assim, uma espécie de experiência original, um começo de tudo. Colocar-se fora de si e fora do mundo é antes de mais nada inaugurar uma experiência em que as coisas não são ainda. (pág. 32)

Desconstruir o real para criar uma realidade fictícia, mas que não se desconecta do mundo. O Fora está justamente na possibilidade de recriar o mundo literariamente, produzindo resistência aos saberes constituídos. Desse modo, escreve Blanchot (2005):

O deserto ainda não é nem tempo, nem o espaço, mas um espaço sem lugar e um tempo sem engendramento. Nele, pode-se apenas errar, e o tempo que passa nada deixa atrás de si, é um tempo sem passado, sem presente, tempo de uma promessa que só é real no vazio do céu e na esterilidade de uma terra nua, onde o homem nunca está, mas está sempre fora. O deserto é o fora, onde não se pode permanecer, já que estar nele é sempre estar já estar fora…  (pág. 115)