Em novembro de 2019, Paul Preciado foi convidado a falar para 3.500 psicanalistas na Jornada Internacional da Escola da Causa Freudiana em Paris, cujo tema era “Mulheres na psicanálise”. Seu discurso se inspirou no emblemático Relatório a uma academia, de Franz Kafka, em que um macaco diz a uma assembleia de cientistas que a subjetividade humana é uma jaula como a que o aprisionou. A fala de Preciado provocou um abalo sísmico. O filósofo apresentou à plateia o dilema que, acredita ele, deve ser enfrentado pela psicanálise ― seguir trabalhando com a velha epistemologia da diferença sexual e validar o regime patriarcal colonial que a sustenta, endossando e sendo também responsável pela violência que produz; ou abrir-se a um processo de crítica política das suas linguagens e práticas, e enfrentrar a nova aliança necropolítica do patriarcado colonial e suas tecnologias farmacopornográficas.

Seria preciso antes organizar um encontro sobre “homens brancos heterossexuais e burgueses na psicanálise”, porque a maior parte dos textos e práticas psicanalíticas giram em torno do poder discursivo e político desse tipo de animal: um animal necropolítico que vocês tendem a confundir com o “humano universal” e que permanece, até o presente, o sujeito da enunciação central nos discursos e nas instituições psicanalíticas da modernidade colonial.


Paul B. Preciado 🇪🇸 (1970-) é um filósofo e escritor transgênero e feminista, cujas obras versam sobre assuntos teóricos como filosofia de gênero, teoria queer, arquitetura, identidade e pornografia.Identificando-se anteriormente como mulher cisgênero lésbica, Preciado começou em 2014 uma transição de gênero lenta e, em janeiro de 2015, escolheu Paul como seu nome retificado. Atualmente é filósofo associado ao Centre Georges Pompidou, em Paris. Pela Zahar, publicou também Um apartamento em Urano e Manifesto contrassexual.