“Eu sou Ofélia, aquela que o rio não conservou. A mulher na forca, a mulher com as veias abertas, a mulher com overdose, sobre os lábios de neve. A mulher com a cabeça no fogão a gás. Ontem, eu deixei de me matar. Estou só, com meus seios, minhas coxas, meu ventre. Destruo os instrumentos do meu cativeiro: a cadeira, a mesa, a cama. Destruo o campo de batalha que foi o meu lar. Escancaro as portas para que o vento possa entrar e o grito do mundo. Despedaço janela. Com as mãos sangrando, rasgo as fotografias dos homens que amei e se serviram de mim sobre a cama, a mesa, a cadeira, sobre o chão. Toco fogo na minha prisão, atiro minhas roupas ao fogo. E boto fogo no meu peito, o relógio que era meu coração. Vou para a rua.”

Trecho de Hamlet Machine, de Heiner Müller.