Na primavera se vence a batalha contra o inverno. A brisa suave e a luz suave do sol entram pela janela, as flores começam a desabrochar e um pequeno pardal está pronto para sentar no parapeito e cantar uma cantiga para alegrar os dias solitários desta jovem fraca e doente. Nesta cena simples, quase de gênero, Edvard Munch conseguiu transmitir muita profundidade e emoção.

O detalhe mais comovente é o rosto mudo e fantasmagórico, com as pálpebras quase fechadas. Enquanto o sol banha o quarto com um brilho amarelado, ela afasta a cabeça, afastando-se simbolicamente da vida e da leveza: olhos lacrimejantes que já veem o outro lado. Sua cabecinha e o rosto meigo apoiam-se no alvo travesseiro, despertam empatia e compaixão no espectador porque se tem a sensação de que a morte começa a nascer dentro dela, assim como a primavera começa a viver lá fora.

O seu rosto irradia calma e beleza espiritual, mas a quietude que envolve a sala é ilusória, pois o momento da morte ainda está por chegar e a cena que vemos é apenas a calmaria antes da tempestade. O fim da longa luta e da dor está próximo, e sua alma em breve estará dançando com as margaridas brancas e puras da campina.

Não temos o frenesi expressionista completo de Munch, mas sua obsessão pela morte e a consciência dela prevalecem. A morte foi a noiva silenciosa de Munch e sua companheira mais fiel desde a infância; sua mãe morreu de tuberculose quando ele tinha cinco anos, sua irmã Johanne Sophie morreu do mesmo mal em 1877, aos quatorze anos, e ele próprio tinha a saúde frágil. A morte da irmã o afetou profundamente e ele retornou inúmeras vezes a esse sentimento de perda e tragédia em sua carreira artística, fazendo diversas versões do quadro A Criança Doente, “Det Syke Barn” (1885-86).

Foi com esta pintura, que Munch se afastou do impressionismo e pintou pela primeira vez num estilo que mais tarde seria chamado de expressionismo. O tema era tal que era necessária profundidade e emoções, e um novo estilo. É interessante que em “Primavera”, que foi pintado alguns anos depois, ele voltou, por um momento, a um estilo de pintura mais realista que se parece mais com algumas cenas do gênero vitoriano do que com a arte pela qual Munch é conhecido.