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No desequilíbrio dos mares

Cecília Meireles

Canção

No desequilíbrio dos mares,
as proas giram sozinhas…
Numa das naves que afundaram
é que certamente tu vinhas.

Eu te esperei todos os séculos
sem desespero e sem desgosto,
e morri de infinitas mortes
guardando sempre o mesmo rosto

Quando as ondas te carregaram
meu olhos, entre águas e areias,
cegaram como os das estátuas,
a tudo quanto existe alheias.

Minhas mãos pararam sobre o ar
e endureceram junto ao vento,
e perderam a cor que tinham
e a lembrança do movimento.

E o sorriso que eu te levava
desprendeu-se e caiu de mim:
e só talvez ele ainda viva
dentro destas águas sem fim.


Cecília Meireles 🇧🇷 (1901-964), foi poetisa, jornalista e professora, nascida no Rio de Janeiro e considerada umas das maiores escritoras do Brasil. Escreveu sobre educação e fundou a primeira biblioteca infantil do país. Publicou mais de 50 obras. Em 1938, recebeu o Prêmio de Poesia da Academia Brasileira de Letras. Lecionou Literatura na UFRJ e na Universidade do Texas. Foi Doutor Honoris Causa pela Universidade de Delhi. Sua obra poética é um a busca do eterno, um trabalho do luto, com essências e valores transcendentais.

Vigília das Mães

Cecília Meireles

Nossos filhos viajam pelos caminhos da vida,
pelas águas salgadas de muito longe,
pelas florestas que escondem os dias,
pelo céu, pelas cidades, por dentro do mundo escuro
de seus próprios silêncios.

Nossos filhos não mandam mensagens de onde se encontram.
Este vento que passa pode dar-lhes a morte.
A vaga pode levá-los para o reino do oceano.
Podem estar caindo em pedaços, como estrelas.
Podem estar sendo despedaçados em amor e lágrima.

Nossos filhos têm outro idioma, outros olhos, outra alma.
Não sabem ainda os caminhos de voltar, somente os de ir.
Eles vão para seus horizontes, sem memória ou saudade,
não querem prisão, atraso, adeuses:
deixam-se apenas gostar, apressados e inquietos.

Nossos filhos passaram por nós, mas não são nossos,
querem ir sozinhos, e não sabemos por onde andam.
Não sabemos quando morrem, quando riem,
são pássaros sem residência nem família
à superfície da vida.

Nós estamos aqui, nesta vigília inexplicável,
esperando o que não vem, o rosto que já não conhecemos.
Nossos filhos estão onde não vemos nem sabemos.
Nós somos as doloridas do mal que talvez não sofram,
mas suas alegrias não chegam nunca à solidão de que vivemos,
seu único presente, abundante e sem fim.


Cecília Meireles 🇧🇷 (1901-964), foi poetisa, jornalista e professora, nascida no Rio de Janeiro e considerada umas das maiores escritoras do Brasil. Escreveu sobre educação e fundou a primeira biblioteca infantil do país. Publicou mais de 50 obras. Em 1938, recebeu o Prêmio de Poesia da Academia Brasileira de Letras. Lecionou Literatura na UFRJ e na Universidade do Texas. Foi Doutor Honoris Causa pela Universidade de Delhi. Sua obra poética é um a busca do eterno, um trabalho do luto, com essências e valores transcendentais.


Toni Demuro é um ilustrador italiano. Vive e trabalha na Sardenha, suas ilustrações apontam diretamente para o coração. Empatia, simbolismo e requinte cromático caracterizam suas obras. Suas ilustrações aparecem em artigos publicitários, revistas, livros e jornais, que incluem Penguin Books, The Boston Globe, The Washington Post, Corriere della Sera.

Explicação

Cecília Meireles

Explicação

O pensamento é triste;
o amor, insuficiente;
e eu quero sempre mais do que vem nos milagres.
Deixo que a terra me sustente:
guardo o resto para mais tarde.

Deus não fala comigo – e eu sei que me conhece.
A antigos ventos dei as lágrimas que tinha.
A estrela sobe, a estrela desce…
– espero a minha própria vinda.

(Navego pela memória
sem margens.

Alguém conta a minha história
e alguém mata os personagens.)

 


Cecília Meireles 🇧🇷 (1901-964), foi poetisa, jornalista e professora, nascida no Rio de Janeiro e considerada umas das maiores escritoras do Brasil. Escreveu sobre educação e fundou a primeira biblioteca infantil do país. Publicou mais de 50 obras. Em 1938, recebeu o Prêmio de Poesia da Academia Brasileira de Letras. Lecionou Literatura na UFRJ e na Universidade do Texas. Foi Doutor Honoris Causa pela Universidade de Delhi. Sua obra poética é um a busca do eterno, um trabalho do luto, com essências e valores transcendentais.