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Ler e Escrever

Vidiadhar Surajprasad Naipaul

Naipaul mais de uma vez retomou com a memória ao tempo em que, ainda criança em Trinidad, ele sonhava em se tornar um grande escritor. Mas jamais nos havia contado com a vibrante força destas páginas como se aproximou à escrita e, antes ainda, à leitura; como conseguiu criar, em uma colônia na periferia do Império Britânico, um mundo só seu, alheio à literatura na qual se formou. Nem jamais havia confessado em que medida a relação com a Índia – “a grande ferida” de todos os emigrantes indianos nas ilhas do Novo Mundo – agiu em profundidade na sua vida, suscitando um jogo dramático de atrações e resistências. Aos poucos, Naipaul entendeu que a tarefa da sua obra literária era a tenaz exploração daquelas “áreas de escuridão” que marcaram sua infância e juventude. E, enquanto isso ocorria, mudava e se definia cada vez mais claramente nele o significado das obscuras potências que respondem pelo nome de ler e escrever. Esse emaranhado de questões encontrou voz em 2000, no ensaio que dá o título ao volume e, no ano seguinte, como uma espécie de conclusão natural, em seu discurso em ocasião do Prêmio Nobel.

As palavras não são deste mundo

Hugo Von Hofmannsthal

Entre as correspondências que Hugo von Hofmannsthal guardou (1874-1929), as cartas trocadas na juventude com Edgar Karg (1872-1905) ocupam um lugar de destaque, tanto que próprio poeta chegou a pensar em publicar boa parte delas, em uma antologia que recolheria o melhor da sua produção juvenil. Ao mesmo tempo que o seu precoce talento é celebrado nos círculos literários, Hofmannsthal procura aqui aproximar à própria existência de «poeta» um amigo que, ocupado nos serviços da Marinha frequentemente muito distantes, não pode compartilhar com ele a mesma riqueza cultural. Não se tratava, porém, de fazer trabalho de baixa divulgação, mas, sim, de liberar a poesia da atmosfera artificiosa dos salões e das academias, colocando-a em relação à existência dos homens. Temas e problemas que desempenham um papel fundamental na sua obra e em boa parte da poesia moderna, são, aqui, enfrentados de maneira imediata, e são continuamente confrontados e relacionados às experiências cotidianas e aos afetos comuns. De um lado os primeiros passos dados por Hofmannsthal no «caminho em direção à vida», na tentativa de romper, graças a essa amizade, o isolamento do artista. Do outro uma límpida, inédita perspectiva sobre a reflexão empreendida por Hofmannsthal sobre a literatura, sobre a sua relação com a vida, e em geral sobre a amizade e a formação do indivíduo. Um daqueles raros casos em literatura em que a expressão une felizmente imediatismo e profundidade.

Aqueles que queimam livros

George Steiner

Os três ensaios que compõem este livreto, publicado em 2017, foram proferidos entre 1999 e 2001 (em Turin, Tel Aviv e Boston, respectivamente) e envelheceram rápido e mal.

Tratam, de maneira geral, de uma certa angústia que cerca o futuro do livro e da leitura em tempos de transformações nos modos de ler e de veicular a literatura.

Entre algumas discussões que já deixaram de ser pertinentes há uns cinco ou dez anos, surgem aqui e acolá boas considerações sobre os arbítrios da leitura ou ainda sobre aquela perene questão da censura de livros, que está longe de ser apanágio de governos totalitários. “É absolutamente impossível avaliar”, diz o autor, “a imensidão dos textos assim castrados, expurgados, falsificados ou decididamente reduzidos ao silêncio. Mas as nossas ditas democracias tampouco são inocentes. Clássicos e obras de literatura contemporânea foram retirados das estantes e das bibliotecas públicas ou escolares em nome de um ‘politicamente correto’ tão pueril quanto degradante.” (p. 72).

Os livros são a nossa chave de acesso para nos tornarmos melhores do que somos. A capacidade deles de produzir essa transcendência suscitou discussões, alegorizações e desconstruções sem fim. O encontro com o livro, assim como com o homem ou a mulher, que vai mudar a nossa vida, frequentemente em um instante de reconhecimento do qual não se é consciente, pode ser completamente casual. O texto que nos converterá a uma fé, nos fará aderir a uma ideologia, dará a nossa existência um fim e um critério, podia estar ali a nos esperar na estante dos livros em promoção, dos livros usados e em desconto. Talvez empoeirado e esquecido, na estante exatamente ao lado do livro que procurávamos.