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Os amores difíceis

Italo Calvino

Esta coleção reúne contos escritos na juventude de Italo Calvino. Os primeiros foram escritos em 1945, quando Calvino tinha vinte e dois anos, e os últimos no início dos anos 1950, época em que o autor se firmava como uma das principais vozes da literatura italiana. A tradução é de Raquel Ramalhete.

Em Os amores difíceis, o mestre da narrativa italiana tece histórias nas quais os enganos e as ilusões do amor – incluindo do amor-próprio – são dissipados em instantes mágicos de reconhecimento, e em que cada personagem descobre verdades ocultas sob a superfície da vida quotidiana.

Estas histórias de amor são, na sua maioria, histórias de como um casal não se encontra. O autor parece fazer desse desencontro não só uma razão de desespero mas sempre um elemento fundamental — ou até a própria essência — da relação amorosa. Não é por acaso que um dos poucos contos matrimoniais fala de um casal de recém-casados que trabalham numa fábrica, ele no turno da noite e ela no de dia.

Os temas são diversos: um soldado tímido tenta seduzir uma viúva durante uma viagem de trem; uma respeitável senhora vive o drama de perder a parte de baixo de seu biquíni no mar quando a praia está cheia; um leitor oscila entre a realidade da ficção e a fantasia da realidade; um míope enfrenta as agruras do uso de óculos; uma esposa descobre o adultério e o mundo no botequim da esquina; um bandido e o sargento que o procura resolvem passar a noite na cama da mesma prostituta.

O que unifica as histórias é o profundo senso de composição do autor, atento aos mínimos detalhes da narração. Aqui, Calvino parece revisitar a obra de mestres como Guy de Maupassant e Anton Tchekhov, inigualáveis na arte da narrativa breve.


Italo Calvino 🇮🇹 (1923—1985) formado em Letras, iniciou o curso de Agronomia, mas abandonou e foi participar da resistência ao fascismo durante a II Guerra Mundial. Depois conheceu diversos militantes comunistas, passou a trabalhar no jornal L’Unità e na editora Einaudi. Foi membro do Partido Comunista Italiano até 1956, tendo se desfiliado um ano depois. A sua carta de renúncia ficou famosa. Sua primeira obra foi Il sentiero dei nidi di ragno (1947). Uma de suas obras mais conhecidas é Le città invisibili (1972). Por que ler os clássicos?

Circe e seus amantes

Dosso Dossi

Aqui está a pintura “Circe e seus amantes em uma paisagem” (c. 1517) do pintor renascentista italiano Dosso Dossi. A pintura mostra uma lendária feiticeira cercada por seus amantes, todos transformados em animais. Circe é a chefe de sua ilha e azarado é o homem cujo navio encalha em sua costa.

Há uma aura sonhadora na pintura, pois este é o primeiro trabalho de Dossi e ele estava sob a influência da arte veneziana, principalmente de Giorgione e Tizian, daí também o lirismo na representação da natureza. Se pode ver as árvores lindamente pintadas ao longe e há até uma pequena mansão. Circe é vista na mitologia como uma predadora, uma mulher sexualmente livre que é uma ameaça aos homens e a todos que a ofendem.

Na pintura de Dossi, Circe é retratada como uma linda garota com longos cabelos ondulados e uma coroa de flores. Basta notar como os fios de seu cabelo parecem macios, fluindo acima dos ombros, e a vibração das pequenas flores vermelhas, cada pétala parece uma única pincelada. Ela não está usando roupa. Não há malícia em seu rosto, parece sonhadora, olhando para longe e perdida em pensamentos enquanto aponta para uma placa de pedra com algumas palavras inscritas, mas os animais ao seu redor contam uma história diferente.

Um galgo, um cachorrinho branco, um veado, um falcão, uma coruja, um veado, estão todos sentados ao seu redor. Parecem mansos e dóceis, acompanhando fielmente. Apenas a expressão nos olhos do cervo revela a situação. Seu rosto parece dizer “Isso não está acontecendo comigo”. E ainda assim ele também está quieto. O que mais ele pode fazer? Talvez Circe esteja lendo algo para seus amantes transformados em animais.

Circe tinha um vasto conhecimento de poções, ervas e feitiços. A seus pés há um livro de feitiços. Há também humor, já que vemos os homens sob o feitiço feminino a seguirem cegamente as suas ordens, presos nas suas teias, mais que desumanizados, mas desmasculinizados, desvirilizados.


Dosso Dossi 🇮🇹 (c. 1479-1542), nome verdadeiro Giovanni di Niccolo de Luteri, foi um pintor renascentista italiano da Escola de Ferrara. O estilo de suas pinturas é influenciado principalmente pela pintura veneziana, particularmente Giorgione e o início de Ticiano. A partir de 1514 foi artista da corte dos Duques Este de Ferrara e Modena, cuja pequena corte valorizava a sua reputação como centro artístico. Dosso Dossi colaborou frequentemente com seu irmão mais novo, Battista Dossi, que trabalhou com Raphael. O pintor é menos conhecido por seu naturalismo ou atenção ao design do que por conceitos simbólicos enigmáticos em obras de arte em torno de temas mitológicos.

O cavaleiro inexistente

Italo Calvino

Nessa espécie de romance de cavalaria às avessas, Italo Calvino põe em marcha toda a sua habilidade construtiva e capacidade alegórica, mas também a sua verve humorística, para contar as aventuras e desventuras de Agilulfo Emo Bertrandino dos Guildiverni e dos Altri de Corbentraz e Sura, o cavaleiro inexistente da corte de Carlos Magno. Circundado por uma galeria de personagens que compõem um verdadeiro exército brancaleônico, Agilulfo serve com fé a causa da cristandade. De permeio, tem de lidar com uma querela em torno de sua nobre reputação, espelhada na armadura trazida sempre imaculadamente alva, embora paradoxalmente vazia. Como nos demais romances da trilogia Nossos antepassados, Calvino mergulha nos tempos heróicos da cavalaria medieval, vistos aqui em chave burlesca, utilizando como narrador uma freira confinada no convento, cuja penitência é justamente escrever a história desse cavaleiro sui generis. Afinal, como nos lembra O cavaleiro inexistente, só se pode ser senhor gerente de tudo a própria pessoa que for vazia e sem substância.

“Como era possível aquele fechar de olhos, aquela perda de consciência de si próprio, aquele afundar num vazio das próprias horas e depois, ao despertar, descobrir-se igual a antes, juntando os fios da própria vida, Agilulfo não conseguia saber.”


Italo Calvino 🇮🇹 (1923—1985) formado em Letras, iniciou o curso de Agronomia, mas abandonou e foi participar da resistência ao fascismo durante a II Guerra Mundial. Depois conheceu diversos militantes comunistas, passou a trabalhar no jornal L’Unità e na editora Einaudi. Foi membro do Partido Comunista Italiano até 1956, tendo se desfiliado um ano depois. A sua carta de renúncia ficou famosa. Sua primeira obra foi Il sentiero dei nidi di ragno (1947). Uma de suas obras mais conhecidas é Le città invisibili (1972). Por que ler os clássicos?