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Mães de Portugal

O amor maternal é objeto das mais diversas artes. Buscam decifrar aquele que é tido como o mais sublime dos sentimentos. Aqui vamos observar como a maternidade foi retratada por alguns artistas lusitanos. Será que as mães portuguesas têm alguma peculiaridade que as diferenciam e as tornam mais ou menos reconhecíveis? A ideia é juntar poemas, fotografias, citações etc. sobre mães de Portugal, deste e doutros tempos. Vamos então a isto, ó filho.


Mães de Portugal

Ó Mães de Portugal comovedoras,
Com Meninos Jesus de encontro ao peito,
Iguais na devoção e amor perfeito
Aos painéis onde estão Nossas Senhoras!

Ó Virgem Mãe, qual se tu própria foras,
Surgem de cada lado, quase a eito,
As Mães e os Filhos em abraço estreito,
Dolorosas, felizes, povoadoras…

São presépios as casas onde moram:
E o riso casto, as lágrimas que choram,
O anseio que lhes enche o coração,

Gesto, candura, olhar — tudo é divino,
Tudo ensinado pelo Deus Menino,
Tudo é da Mãe Celeste inspiração!

Alberto de Oliveira,
in: “Poemas de Itália e Outros Poemas”


A força das carreteiras de Lordelo

Ainda é possível encontrar mulheres que carregam na cabeça jarros, cestas, móveis e até animais que pesam o mesmo que elas. A imagem é comum e milenar. Em vários países, e também em Portugal, mulheres usam a cabeça para transportar tudo que lhes é essencial, do ganha-pão ao guarda-roupa. Intrigada, a fotógrafa francesa Floriane de Lassée viajou o mundo para descobrir, afinal, qual fardo elas têm de carregar. Ficaram conhecidas, na primeira metade do século XX, como as carreteiras de Lordelo, no concelho de Paredes, mas a história olvida aquelas mulheres com uma resistência estoica, capazes de carregar à cabeça, cobertas com lenços, uma pesada e pungente realidade. Descalças, percorriam dezenas de km, em jornadas de vários dias. Sobre os ombros transportavam peças de mobiliário – dez ou doze cadeiras –, tão pesadas como a opressão de uma sociedade marcadamente machista e conservadora. Caminhavam porque isso era tudo o que sabiam fazer e, paradoxalmente, talvez esse fosse, ainda assim, o mais ínfimo vislumbre de uma liberdade que lhes era negada. Entre a dor, a miséria e a tenacidade, persiste a obrigação de continuar. Sempre. Sem parar, lá iam as “cadeireiras”, num caminho feito de subserviência. Saiam de Lordelo para o Porto. Para Guimarães. Para a Póvoa de Varzim. Para Lamego. Sempre para um sofrimento bem maior do que prometia a força humana.

Minha Mãe que não Tenho

Minha mãe que não tenho meu lençol
de linho de carinho de distância
água memória viva do retrato
que às vezes mata a sede da infância.

Ai água que não bebo em vez do fel
que a pouco e pouco me atormenta a língua.
Ai fonte que eu não oiço ai mãe ai mel
da flor do corpo que me traz à míngua.

De que Egipto vieste? De que Ganges?
De qual pai tão distante me pariste
minha mãe minha dívida de sangue
minha razão de ser violento e triste.

Minha mãe que não tenho minha força
sumo da fúria que fechei por dentro
serás sibila virgem buda corça
ou apenas um mundo em que não entro?

Minha mãe que não tenho inventa-me primeiro:
constrói a casa a lenha e o jardim
e deixa que o teu fumo que o teu cheiro
te façam conceber dentro de mim.

Ary dos Santos,
in ‘Antologia Poética’


“Pode secar-se, num coração de mulher, a seiva de todos os amores;
nunca se extinguirá a do amor materno.”
Júlio Dantas

Mãe…

Mãe — que adormente este viver dorido,
E me vele esta noite de tal frio,
E com as mãos piedosas ate o fio
Do meu pobre existir, meio partido…

Que me leve consigo, adormecido,
Ao passar pelo sítio mais sombrio…
Me banhe e lave a alma lá no rio
Da clara luz do seu olhar querido…

Eu dava o meu orgulho de homem — dava
Minha estéril ciência, sem receio,
E em débil criancinha me tornava.

Descuidada, feliz, dócil também,
Se eu podesse dormir sobre o teu seio,
Se tu fosses, querida, a minha mãe!

Antero de Quental,
in “Sonetos”


 

De Joelhos

“Bendita seja a Mãe que te gerou.”
Bendito o leite que te fez crescer
Bendito o berço aonde te embalou
A tua ama, pra te adormecer!

Bendita essa canção que acalentou
Da tua vida o doce alvorecer …
Bendita seja a Lua, que inundou
De luz, a Terra, só para te ver …

Benditos sejam todos que te amarem,
As que em volta de ti ajoelharem
Numa grande paixão fervente e louca!

E se mais que eu, um dia, te quiser
Alguém, bendita seja essa Mulher,
Bendito seja o beijo dessa boca!!

Florbela Espanca,
in: “Livro de Mágoas”

 

 


Mãe:
Que desgraça na vida aconteceu,
Que ficaste insensível e gelada?
Que todo o teu perfil se endureceu
Numa linha severa e desenhada?

Como as estátuas, que são gente nossa
Cansada de palavras e ternura,
Assim tu me pareces no teu leito.
Presença cinzelada em pedra dura,
Que não tem coração dentro do peito.

Chamo aos gritos por ti — não me respondes.
Beijo-te as mãos e o rosto — sinto frio.
Ou és outra, ou me enganas, ou te escondes
Por detrás do terror deste vazio.

Mãe:
Abre os olhos ao menos, diz que sim!
Diz que me vês ainda, que me queres.
Que és a eterna mulher entre as mulheres.
Que nem a morte te afastou de mim!

Miguel Torga,
in: “Diário IV”


Maria Lamas 🇵🇹 (1893-1983), escritora e jornalista, pedagoga e investigadora etno-social, tradutora e fotógrafa, feminista e lutadora pelos direitos humanos e cívicos durante o Estado Novo, que a levou à prisão três vezes, e ao exílio de sete anos em Paris, foi uma das mulheres portuguesas mais notáveis do século XX.

dois em um

Alice Ruiz
dois em um

depois que um corpo
comporta
outro corpo

nenhum coração
suporta
o pouco


para onde foram
lembranças que esquecemos
coisas
que
nunca
chegaram
a
ser?


RUIZ S. Alice. Dois em um. Alice Ruiz S. — 2a reimpressão. São Paulo: Iluminuras, 2008.

As mães de Picasso

“Maria Picasso y Lopez”, Pablo Picasso, 1916.

Quando terminou ‘Guernica’, Picasso chamou a mãe que estava de visita em Paris. Queria a opinião da sua madrecita. Aos 82 anos, María Picasso y López chegou esbaforida após subir os cinco lances de escada do ateliê… Aproximou-se do quadro e ficou em silêncio:

a figura central, iluminada por uma lâmpada, era uma égua aterrorizada cujo corpo estava transpassado por uma lança. À esquerda, uma mulher carregava um filho morto e gritava de dor. Atrás, um touro enfurecido. Embaixo, um homem deitado com os braços esticados segurava uma espada quebrada. Uma pequena flor aparecia tímida, quase esmagada entre as patas do jumento e a espada quebrada. À direita do quadro, três mulheres desconjuntadas, uma delas ferida, choravam e gritavam; a do alto estendia uma lâmpada a óleo em direção ao centro da tela. No fundo, formas geométricas evocavam casas incendiadas, sendo que as chamas eram representadas por triângulos claros. Também ali era uma prova do  reconhecimento de dor maternal.


“Minha mãe me dizia:
Se queres ser um soldado, serás general.
Se queres ser um monge, acabarás sendo Papa.
Então eu quis ser um pintor e agora sou Picasso.”


“Maternidade”, de Picasso. 1905.

“Maternidade” tem as cores em tons pastéis, o olhar de doação, o aconchego, tudo se harmoniza e transmite a sensação de vida que segue… Maternidade pertence período neoclássico do artista, durante o qual ele desenvolveu uma remininscent estilo de classicismo e usaram imagens mitológicas, como centauros, minotauros, ninfas e faunos. Ele também criou, pelo menos, uma dúzia de imagens inspiradas por e dedicados à maternidade e da relação especial entre mãe e filho. As mulheres nestas pinturas se assemelham a estátuas antigas de repente deram vida. Eles são sólidos e poderoso, como deusas antigos, e são pintadas em tons tranquilos de cinza e rosa. Eles são todos grandes mães, ligados à terra.

Embora algumas das telas de mãe e filho neoclássico de Picasso não são grandes, por si só, o efeito de qualquer um deles parece maior que a vida. Maternidade mostra uma mulher vestida em um vestido branco clássico e segura um bebê no colo. Ela está absorvida com o filho que ela não sabe que estamos a observá-los. Sua interação é tranquila, evocando lirismo e o espírito calmante.

“Mãe com criança enferma”, de Picasso. 1903.

Em contraponto com a obra anterior, está a “Mãe com criança enferma“, pertencente à fase azul de Picasso, caracterizada pelo predomínio de cores sombrias, como o azul e o verde. Aqui impera a melancolia e a tristeza. A figura feminina retrata uma prostituta, que Picasso conheceu ao visitar o Hospital de Saint Lazare, em Paris. A mulher, abandonada, buscava ajuda para seu filho doente. A mãe expressa solidão e súplica.

“Mãe e criança”, de Picasso. 1902.

A fase azul de Picasso decorreu entre 1901 e 1904. As obras desta fase, que iniciou logo após o suicídio de Casagemas, um grande amigo do pintor, mostram a solidão das personagens retratadas, isolando-as num ambiente impreciso, com um uso quase exclusivo do azul. Também é da fase azul a obra “Mãe e criança“. Percebe-se nesta pintura as fusões mãe-filho e manto-parede, simbolizando proteção na adversidade.

“Mãe e filho”, de Picasso. 1906.

Da fase azul, Picasso passou para a sua fase rosa, que teve início quando ele conheceu Fernande Olivier, sua primeira companheira. Esta fase, com obras abundantes de tons de rosa e vermelho, caracteriza-se pela presença de acrobatas, dançarinos, arlequins, artistas de circo, saltimbancos. Dos personagens atormentados, doentes, solitários, os novos personagens tornaram-se cheios de ternura e esperança. É da fase rosa a obra “Mãe e filho”. A criança já cresceu, já participa de uma atividade circense e já acabou de comer. A mãe pode não estar feliz, mas está tranquila. O desespero não existe mais.

“Mãe e criança”, de Picasso. 1921.

Mais mães, mais filhos. A partir de 1915, pode ser notado um maior realismo nas pinturas de Picasso. Em 1917, viajou para Roma, com Jean Cocteau – poeta, cineasta e dramaturgo francês – desenhando costumes e cenários para espetáculos da cidade. A partir desse contato com a Itália, a influência da arte clássica em suas obras também cresce. “Mãe e Criança “, de 1921, é um exemplo de suas inclinações neoclássicas.

 

 

 

“Mãe com crianças e laranjas“, 1951

 

 

Período neoclássico de Picasso durou até cerca de 1925, quando sua arte se mudou ainda um outro sentido. Trinta anos se passam. O surrealismo passa. Mulheres se sucedem na vida de Picasso. Mas é o cubismo que se instala de vez. É de 1951 a obra “Mãe com crianças e laranjas“, com cores múltiplas: azuis, amarelos, verdes e um pouco de vermelho. A laranja, de cor laranja, atrai o olhar. Mas os pretos, os brancos e os cinzas também se superpõem. São a cor da pele dos personagens. Uma obra repleta de simbolismos, cheia de significados.

 

 

 

 

 

 


Pablo Picasso (1881-1973) foi um pintor, escultor e desenhista espanhol.