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Para Lá da Terra

GEFAC

Para Lá da Terra é um espectáculo do GEFAC, que reune todas as vertentes artísticas do grupo – música, dança e teatro – em torno do tema da Morte na cultura popular portuguesa. O tratamento da morte pelo povo português nas perspectivas comunitária e individual está envolto de manifestações de grande diversidade entre as regiões do país. Se para poder morrer basta existir, o quotidiano e imaginário português estão repletos de ritos e ditos que libertam os vivos da sua morada terrena, encomendam almas para que atravessem a suspensão do purgatório, trazem de volta, de tempos a tempos, a presença dos nossos mortos, para que ceiem connosco outra vez. Aqui se debruça o GEFAC para levantar do chão o nosso espetáculo.

1 a 3 de novembro de 2023 no Convento São Francisco, Coimbra, Portugal

TEMAS

  • Rosinha Costureira (Coutada, Covilhã)
  • Recordai (Alcoutim, Algarve)
  • Fandango (Minho)
  • Vira do Salto (Ponte da Barca)
  • Martirios (Beira Baixa)
  • A Vida do Jogador (Ervedosa, Vinhais)
  • Martírios do Senhor (Baleizão, Beja; Zebreira, Idanha-a-nova)

O começo dos tempos chegou predizendo o seu fim. É nesse entretanto a que chamamos agora, antes e depois, que vamos dando sentido às vidas para que se saiba que existimos. A morte é, afinal, renascimento – ou não haveria razão para dobrar os sinos pelos mortos ou para encomendar as almas – mesmo que a dor se revele no pranto das carpideiras ou em lamentação mais comum. É deles a voz, ainda que caiba aos vivos o anúncio dos renasceres.

“De tempos a tempos, a presença dos nossos mortos.
É por eles que os sinos dobram.”

@claudiamoraisphotography

Contos da Montanha

Miguel Torga

Miguel Torga publicou em Coimbra, no ano de 1941 o livro de contos Montanha, que imediatamente foi apreendido pela polícia política. Em carta desse ano, Vitorino Nemésio, solidarizando-se com o amigo, escreveu a propósito dessa apreensão: “Acho a coisa tão estranha e arbitrária que não encontro palavras. De resto, para quê palavras se nelas é que está o crime?

Mais tarde, em 1955, Torga publica uma segunda edição no Brasil, com o título Contos da Montanha. A edição da Pongetti circulou clandestinamente em Portugal, assim como a 3.ª edição, de 1962. Em 1968, a obra Novos Contos da Montanha foi de novo publicada em Coimbra, em edição do autor. As duas últimas em preto e branco são mais atuais, brochura.

Contos

  1. O Alma-Grande

  2. Fronteira

  3. O Pastor Gabriel

  4. OFilho

  5. O Vinho


Miguel Torga pseudônimo de Adolfo Correia Rocha 🇵🇹 (1907-1995) foi um poeta português nascido em S. Martinho de Anta, viveu no Brasil durante a infância, vindo a licenciar-se em Medicina, em Coimbra, onde passou a viver. Foi autor de peças dramáticas e ficcionista, além de poeta.  Estreou-se com Ansiedades, destacando-se no domínio da poesia com Orfeu Rebelde, Cântico do Homem, bem como através de muitos poemas dispersos pelos 16 volumes do seu Diário. Recebeu o Prémio Camões em 1989 e o prêmio Vida Literária (da Associação Portuguesa de Escritores) em 1992.

Mães de Portugal

O amor maternal é objeto das mais diversas artes. Buscam decifrar aquele que é tido como o mais sublime dos sentimentos. Aqui vamos observar como a maternidade foi retratada por alguns artistas lusitanos. Será que as mães portuguesas têm alguma peculiaridade que as diferenciam e as tornam mais ou menos reconhecíveis? A ideia é juntar poemas, fotografias, citações etc. sobre mães de Portugal, deste e doutros tempos. Vamos então a isto, ó filho.


Mães de Portugal

Ó Mães de Portugal comovedoras,
Com Meninos Jesus de encontro ao peito,
Iguais na devoção e amor perfeito
Aos painéis onde estão Nossas Senhoras!

Ó Virgem Mãe, qual se tu própria foras,
Surgem de cada lado, quase a eito,
As Mães e os Filhos em abraço estreito,
Dolorosas, felizes, povoadoras…

São presépios as casas onde moram:
E o riso casto, as lágrimas que choram,
O anseio que lhes enche o coração,

Gesto, candura, olhar — tudo é divino,
Tudo ensinado pelo Deus Menino,
Tudo é da Mãe Celeste inspiração!

Alberto de Oliveira,
in: “Poemas de Itália e Outros Poemas”


A força das carreteiras de Lordelo

Ainda é possível encontrar mulheres que carregam na cabeça jarros, cestas, móveis e até animais que pesam o mesmo que elas. A imagem é comum e milenar. Em vários países, e também em Portugal, mulheres usam a cabeça para transportar tudo que lhes é essencial, do ganha-pão ao guarda-roupa. Intrigada, a fotógrafa francesa Floriane de Lassée viajou o mundo para descobrir, afinal, qual fardo elas têm de carregar. Ficaram conhecidas, na primeira metade do século XX, como as carreteiras de Lordelo, no concelho de Paredes, mas a história olvida aquelas mulheres com uma resistência estoica, capazes de carregar à cabeça, cobertas com lenços, uma pesada e pungente realidade. Descalças, percorriam dezenas de km, em jornadas de vários dias. Sobre os ombros transportavam peças de mobiliário – dez ou doze cadeiras –, tão pesadas como a opressão de uma sociedade marcadamente machista e conservadora. Caminhavam porque isso era tudo o que sabiam fazer e, paradoxalmente, talvez esse fosse, ainda assim, o mais ínfimo vislumbre de uma liberdade que lhes era negada. Entre a dor, a miséria e a tenacidade, persiste a obrigação de continuar. Sempre. Sem parar, lá iam as “cadeireiras”, num caminho feito de subserviência. Saiam de Lordelo para o Porto. Para Guimarães. Para a Póvoa de Varzim. Para Lamego. Sempre para um sofrimento bem maior do que prometia a força humana.

Minha Mãe que não Tenho

Minha mãe que não tenho meu lençol
de linho de carinho de distância
água memória viva do retrato
que às vezes mata a sede da infância.

Ai água que não bebo em vez do fel
que a pouco e pouco me atormenta a língua.
Ai fonte que eu não oiço ai mãe ai mel
da flor do corpo que me traz à míngua.

De que Egipto vieste? De que Ganges?
De qual pai tão distante me pariste
minha mãe minha dívida de sangue
minha razão de ser violento e triste.

Minha mãe que não tenho minha força
sumo da fúria que fechei por dentro
serás sibila virgem buda corça
ou apenas um mundo em que não entro?

Minha mãe que não tenho inventa-me primeiro:
constrói a casa a lenha e o jardim
e deixa que o teu fumo que o teu cheiro
te façam conceber dentro de mim.

Ary dos Santos,
in ‘Antologia Poética’


“Pode secar-se, num coração de mulher, a seiva de todos os amores;
nunca se extinguirá a do amor materno.”
Júlio Dantas

Mãe…

Mãe — que adormente este viver dorido,
E me vele esta noite de tal frio,
E com as mãos piedosas ate o fio
Do meu pobre existir, meio partido…

Que me leve consigo, adormecido,
Ao passar pelo sítio mais sombrio…
Me banhe e lave a alma lá no rio
Da clara luz do seu olhar querido…

Eu dava o meu orgulho de homem — dava
Minha estéril ciência, sem receio,
E em débil criancinha me tornava.

Descuidada, feliz, dócil também,
Se eu podesse dormir sobre o teu seio,
Se tu fosses, querida, a minha mãe!

Antero de Quental,
in “Sonetos”


 

De Joelhos

“Bendita seja a Mãe que te gerou.”
Bendito o leite que te fez crescer
Bendito o berço aonde te embalou
A tua ama, pra te adormecer!

Bendita essa canção que acalentou
Da tua vida o doce alvorecer …
Bendita seja a Lua, que inundou
De luz, a Terra, só para te ver …

Benditos sejam todos que te amarem,
As que em volta de ti ajoelharem
Numa grande paixão fervente e louca!

E se mais que eu, um dia, te quiser
Alguém, bendita seja essa Mulher,
Bendito seja o beijo dessa boca!!

Florbela Espanca,
in: “Livro de Mágoas”

 

 


Mãe:
Que desgraça na vida aconteceu,
Que ficaste insensível e gelada?
Que todo o teu perfil se endureceu
Numa linha severa e desenhada?

Como as estátuas, que são gente nossa
Cansada de palavras e ternura,
Assim tu me pareces no teu leito.
Presença cinzelada em pedra dura,
Que não tem coração dentro do peito.

Chamo aos gritos por ti — não me respondes.
Beijo-te as mãos e o rosto — sinto frio.
Ou és outra, ou me enganas, ou te escondes
Por detrás do terror deste vazio.

Mãe:
Abre os olhos ao menos, diz que sim!
Diz que me vês ainda, que me queres.
Que és a eterna mulher entre as mulheres.
Que nem a morte te afastou de mim!

Miguel Torga,
in: “Diário IV”


Maria Lamas 🇵🇹 (1893-1983), escritora e jornalista, pedagoga e investigadora etno-social, tradutora e fotógrafa, feminista e lutadora pelos direitos humanos e cívicos durante o Estado Novo, que a levou à prisão três vezes, e ao exílio de sete anos em Paris, foi uma das mulheres portuguesas mais notáveis do século XX.