tag . poemas

Como nuvem eu vagava em solidão

William Wordsworth

Como nuvem eu vagava em solidão
A flutuar acima de colinas e vilas
Quando bem vi dourada multidão,
Uma série de narcisos em fila;
Ladeada ao lago, à sombra d’árvores,
Vibrando e dançando na brisa dos ares.

Contínuos como estrelas que brilham
E cintilam alto na Via Láctea,
Sem fim e em linha se estendiam
Ao longo da margem áquea:
De relance vislumbrei dez mil
Suas cabeças em dança primaveril.

Ao lado as ondas dançavam superadas
Por todos eles em brilho e glosa:
Um poeta só pode ter alma bem-humorada,
Em companhias tão prazerosas:
Olhei – e olhei – mas pouco pensei
Na riqueza do espetáculo que me dei:

Depois, quando solto no sofá
Em modo pensativo ou avião
Eles passam pelo meu íntimo olhar,
O que é uma benção da solidão;
Meu gáudio coração é preenchido,
E dança com seus narcisos.

I wandered lonely as a cloud (1815)
William Wordsworth
[tradução de Julia Medrado]


I wandered lonely as a cloud (1815)
William Wordsworth
I wandered lonely as a cloud
That floats on high o’er vales and hills,
When all at once I saw a crowd,
A host, of golden daffodils;
Beside the lake, beneath the trees,
Fluttering and dancing in the breeze.
Continuous as the stars that shine
And twinkle on the milky way,
They stretched in never-ending line
Along the margin of a bay:
Ten thousand saw I at a glance,
Tossing their heads in sprightly dance.
The waves beside them danced; but they
Out-did the sparkling waves in glee:
A poet could not but be gay,
In such a jocund company:
I gazed—and gazed—but little thought
What wealth the show to me had brought:
For oft, when on my couch I lie
In vacant or in pensive mood,
They flash upon that inward eye
Which is the bliss of solitude;
And then my heart with pleasure fills,
And dances with the daffodils.


Outras traduções:
– Miscelânia cultural (inglês) link
– Los narcisos (espanhol) link


Imagem de capa:
Daffodils at Ullswater da artista inglesa Margaret Ellis


William Wordsworth 🇬🇧 (1770 – 1850) foi o maior poeta romântico inglês que, ao lado de Coleridge, ajudou a lançar o romantismo na literatura inglesa com a publicação conjunta, em 1798, das Lyrical Ballads.

 

Passagem da Noite

Carlos Drummond de Andrade

Passagem da Noite

É noite. Sinto que é noite
não porque a sombra descesse
(bem me importa a face negra)
mas porque dentro de mim,
no fundo de mim, o grito
se calou, fez-se desânimo.
Sinto que nós somos noite,
que palpitamos no escuro
e em noite nos dissolvemos.
Sinto que é noite no vento,
noite nas águas, na pedra.
E que adianta uma lâmpada?
E que adianta uma voz?
É noite no meu amigo.
É noite no submarino.
É noite na roça grande.
É noite, não é morte, é noite
de sono espesso e sem praia.
Não é dor, nem paz, é noite,
é perfeitamente a noite.

Mas salve, olhar de alegria!
E salve, dia que surge!
Os corpos saltam do sono,
o mundo se recompõe.
Que gozo na bicicleta!
Existir: seja como for.
A fraterna entrega do pão.
Amar: mesmo nas canções.
De novo andar: as distâncias,
as cores, posse das ruas.
Tudo que à noite perdemos
se nos confia outra vez.
Obrigado, coisas fiéis!
Saber que ainda há florestas,
sinos, palavras; que a terra
prossegue seu giro, e o tempo
não murchou; não nos diluímos.
Chupar o gosto do dia!
Clara manhã, obrigado,
o essencial é viver!


CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE, in A ROSA DO POVO (Liv. José Olympio, Rio de Janeiro/S. Paulo, 1945)