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O Homem Inacabado

Paul Éluard

A coletânea O Homem Inacabado da editora Exclamação, com tradução de Regina Guimarães.


Paul Éluard (1895-1952) pseudônimo de Eugène Emile Paul Grindel, foi um poeta francês nascido em Saint-Denis, autor de poemas contra o nazismo que circularam clandestinamente durante a Segunda Guerra Mundial. Participou no movimento dadaísta, foi um dos pilares do surrealismo, abrindo caminho para uma ação artística mais engajada, até filiar-se ao partido comunista francês. Tornou-se mundialmente conhecido como O Poeta da Liberdade. É o mais lírico e considerado o mais bem dotado dos poetas surrealistas franceses.

No exílio

Paul Éluard

Ela está triste ela faz valer
A dúvida que acalenta quanto à sua realidade nos olhos do outro.

(…)

É ela é também a tempestade
Que distribui as armas desastradas
Às ervas e aos insectos
Aos derradeiros calores
Os fumos de outono
As cinzas do inverno

O cheiro dos escombros persiste

Os olhos fechados são ela, toda ela.

 

In: A vida Imediata (1932)


In: O Homem Inacabado, editora Exclamação, tradução de Regina Guimarães, pg. 141


Paul Éluard (1895-1952) pseudônimo de Eugène Emile Paul Grindel, foi um poeta francês nascido em Saint-Denis, autor de poemas contra o nazismo que circularam clandestinamente durante a Segunda Guerra Mundial. Participou no movimento dadaísta, foi um dos pilares do surrealismo, abrindo caminho para uma ação artística mais engajada, até filiar-se ao partido comunista francês. Tornou-se mundialmente conhecido como O Poeta da Liberdade. É o mais lírico e considerado o mais bem dotado dos poetas surrealistas franceses.

A lua vem da Ásia

Campos de Carvalho

“Aos 16 anos matei meu professor de lógica. Invocando a legítima defesa — e qual defesa seria mais legítima? — logrei ser absolvido por cinco votos a dois, e fui morar sob uma ponte do Sena, embora nunca tenha estado em Paris”

A lua vem da Ásia, publicado em 1956, é o diário de Astrogildo, o assassino do professor de lógica. Enclausurado num hospício que junta as mordomias de um hotel de luxo com as torturas cruéis de um campo de concentração, Astrogildo narra seu cotidiano ao lado dos outros malucos e recorda os tempos em que traficava diamantes, deflorava as filhas de políticos e atravessava os mares nadando crawl. A lua vem da Ásia amargou anos fora de catálogo, mas volta às livrarias numa edição da Autêntica, que celebra o centenário de Campos de Carvalho, completado em 1º de novembro. Os outros três romances do escritor – Vaca de nariz sutilA chuva imóvel e O púcaro búlgaro – serão reeditados no decorrer de 2017. Uma coletânea de inéditos e dispersos também sairá no ano que vem.

As primeiras páginas dão a impressão de que a história é ambientada dentro de um hospício e os personagens envolvidos reforçam essa ideia. Apesar disso, o narrador não revela exatamente onde está. Conforme o tempo passa, conta histórias aleatórias e passagens da vida, ao mesmo tempo em que sofre com os procedimentos dos responsáveis pelo local e a “loucura” dos colegas.

Após uma fuga bem-sucedida, o protagonista vagueia por diversos lugares do mundo passando por diferentes tipos de aventuras. Como o dia em que acordou mulher e foi recrutado para o harém de um sultão no Marrocos, onde permaneceu por um ano e catorze dias.

A lua vem da Ásia, romance emblemático de Campos de Carvalho (1916-1998), completa agora 60 anos e permanece atual, vibrante, único. Esta obra-prima da literatura brasileira ousou ser diferente num momento em que ser diferente era muito mais difícil. Surrealismo, humor nonsense, rebeldia, combate à hipocrisia e ao establishment são seus principais ingredientes. A narrativa, uma pseudobiografia em forma de diário, abriga as reminiscências de um herói bufão que vive em um hotel com um quê de claustro burlesco. Os funcionários do estabelecimento são sentinelas risíveis; o maître ministra sopas e banhos aos hóspedes; o gerente é aficionado por disciplina e horários; sua esposa aplica injeções em quem encontra pela frente; para evitar ladrões, grades nas janelas. Hotel de luxo, campo de concentração, mas, na verdade, um hospital de alienados. Aqui o nonsense, embora delicioso, é só um pretexto: o que se pretende é a representação da realidade crua à qual tentamos inutilmente escapar, evidenciando o absurdo da existência e a vida bruta que expõe suas vísceras. Campos de Carvalho não transigiu um milímetro no propósito de aliar a um profundo sentimento humanista a implacável lucidez de quem desconfia e sabe que o mundo se finge de sério. E isso importa muito.

Campos de Carvalho tem uma das mais irresistíveis linguagens da nossa literatura. É um prosador habilíssimo, impressiona a cadência natural que consegue dar às frases, ainda que elas sugiram tremendos disparates. Lê-se o livro com muita facilidade. Chama-me muito a atenção nesse livro o seu espírito libertário, e mesmo anárquico. O livro é divertido e engraçado durante boa parte do tempo, mas é também terno e comovente. Para mim, o momento mais bonito do livro é o parágrafo “Aos que só choram quando há motivos para chorar…”

— Noel Arantes, Doutor em Literatura pela Unicamp e professor universitário


 

E, em 2011, o ator Chico Diaz transformou A lua vem da Ásia num monólogo. “Esse é um livro que permanece muito atual ao discutir questões como o aprisionamento do pensamento, a solidão, a linguagem que constrói e destrói e o imaginário como possibilidade de fuga”, afirma Diaz, que adaptará a obra para o cinema. Ele será Astrogildo, o louco narrador, e Marieta Severo a mãe que ele vende. Para transpor a prosa onírica de Campos de Carvalho para as telas, Diaz recorrerá às mais diversas possibilidades da linguagem cinematográfica, como animações, locações improváveis, imagens de arquivo e citações de outros filmes.