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benjamins & souvenirs

Walter Benjamin
“O souvenir é a relíquia secularizada. O souvenir é o complemento da “vivência”. Nele reflecte-se a crescente auto-alienação do indivíduo que faz o inventário do seu passado como haveres mortos. No século XIX a alegoria abandonou o mundo exterior para se instalar no mundo interior. A relíquia vem do cadáver, o souvenir vem da experiência morta que, eufemisticamente, se designa vivência.”
Walter Benjamin, in: Parque Central
Walter Bendix Schönflies Benjamin 🇩🇪 (1892-1940) foi um ensaísta, crítico literário, tradutor, filósofo e sociólogo judeu alemão. Associado à Escola de Frankfurt e à Teoria Crítica, foi fortemente inspirado tanto por autores marxistas, como Bertolt Brecht, como pelo místico judaico Gershom Scholem. Entre as suas obras mais conhecidas, contam-se A Obra de Arte na Era da Sua Reprodutibilidade Técnica (1936), Teses Sobre o Conceito de História (1940) e a monumental e inacabada Paris, Capital do século XIX, enquanto A Tarefa do Tradutor constitui referência incontornável dos estudos literários.

Sobre o pintor Benjamin Walter Spiers, pouco parece ser conhecido. Tudo o que pude encontrar sobre ele é que esteve ativo entre 1875-1893. Ele pintou algumas naturezas-mortas bastante detalhistas, com diversidade de objetos que, de fato, podem ser considerados como souvernirs, uma memorabília que parece à oferta, à venda e à vista.

Benjamin Walter Spiers


“Old armour, prints, pictures, pipes, China (all crack’d), 
old rickety tables, and chairs broken back’d” 
— Thackeray

 


 

Benjamin Walter Spiers

Neste quadro me chama a atenção a forma como o artista trabalhou a luz, a memória e a interação. O espelho redondo central nos fazer circular a a vista e retornar espiralados sempre a ele, que parece ser o único objeto capaz de mostrar quem vê, ainda que ali não mostre nada. É com o reflexo ou imagem dele que podemos entrever o espaldar de uma poltrona, uma estante, um quadro, três vasos sobre um móvel, e o mais importante: o cavalete e a tela do pintor. Este quadro me remeteu à clássica obra O Casal Arnolfini (1434) de Jan Van Eyck, que também traz um espelho circular em sua composição.

Omelete de Amoras

Walter Benjamin

“Omelete de Amoras” é uma parábola de Walter Benjamin, em que se entrelaçam realidades e valores, lembranças e sensações.

Abaixo, o texto completo traduzido:


Esta velha história, conto-a àqueles que agora gostariam de experimentar figos ou Falerno, o borscht ou uma comida camponesa de Capri. Era uma vez um rei que chamava de seu todo poder e todos os tesouros da Terra, mas, apesar disso, não se sentia feliz e se tornava mais melancólico de ano a ano. Então, um dia, mandou chamar seu cozinheiro particular e lhe disse:

– Por muito tempo tens trabalhado para mim com fidelidade e me tens servido à mesa os pratos mais esplêndidos, e tenho por ti afeição. Porém, desejo agora uma última prova de teu talento. Deves me fazer uma omelete de amoras tal qual saboreei há cinquenta anos, em minha mais tenra infância. Naquela época meu pai travava guerra contra seu perverso vizinho a oriente. Este acabou vencendo e tivemos de fugir. E fugimos, pois, noite e dia, meu pai e eu, até chegarmos a uma floresta escura. Nela vagamos e estávamos quase a morrer de fome e fadiga, quando, por fim, topamos com uma choupana. Aí morava uma vovozinha, que amigavelmente nos convidou a descansar, tendo ela própria, porém, ido se ocupar do fogão, e não muito tempo depois estava à nossa frente a omelete de amoras. Mal tinha levado à boca o primeiro bocado, senti-me maravilhosamente consolado, e uma nova esperança entrou em meu coração. Naqueles dias eu era muito criança e por muito tempo não tornei a pensar no benefício daquela comida deliciosa. Quando mais tarde mandei procurá-la por todo o reino, não se achou nem a velha nem qualquer outra pessoa que soubesse preparar a omelete de amoras. Se cumprires agora este meu último desejo, farei de ti meu genro e herdeiro de meu reino. Mas, se não me contentares, então deverás morrer.

Então o cozinheiro disse:

– Majestade, podeis chamar logo o carrasco. Pois, na verdade, conheço o segredo da omelete de amoras e todos os ingredientes, desde o trivial agrião até o nobre tomilho. Sem dúvida, conheço o verso que se deve recitar ao bater dos ovos e sei que o batedor feito de madeira de buxo deve ser sempre girado para a direita de modo que não nos tire, por fim, a recompensa de todo o esforço. Contudo, ó rei, terei de morrer. Pois, apesar disso, minha omelete não vos agradará ao paladar. Pois como haveria eu de temperá-la com tudo aquilo que, naquela época, nela desfrutastes: o perigo da batalha e a vigilância do perseguido, o calor do fogo e a doçura do descanso, o presente exótico e o futuro obscuro.

Assim falou o cozinheiro. O rei, porém, calou um momento e não muito tempo depois deve tê-lo destituído de seu serviço, rico e carregado de presentes.


in: BENJAMIN, Walter. Rua de mão única. Obras escolhidas II. 5a edição. São Paulo: Editora Brasiliense.1995.p.219-220.


Walter Bendix Schönflies Benjamin 🇩🇪 (1892-1940) foi um ensaísta, crítico literário, tradutor, filósofo e sociólogo judeu alemão. Associado à Escola de Frankfurt e à Teoria Crítica, foi fortemente inspirado tanto por autores marxistas, como Bertolt Brecht, como pelo místico judaico Gershom Scholem. Entre as suas obras mais conhecidas, contam-se A Obra de Arte na Era da Sua Reprodutibilidade Técnica (1936), Teses Sobre o Conceito de História (1940) e a monumental e inacabada Paris, Capital do século XIX, enquanto A Tarefa do Tradutor constitui referência incontornável dos estudos literários.


Observações & Questões Complementares

  1. O desejo do objeto está fundado em “memórias inconscientes”. O objeto é a representação dessas memórias. Não importa em si. Transcende a realidade. Sua essência é o significado. Objeto de desejo que jamais se materializará em objeto de consumo.
  2. O segredo completo para a preparação da omelete de amoras exige condições que tornam aquela omelete, mais do que uma coisa a ser obtida a qualquer preço, um âmbito em que se entrelaçam realidades e valores, sentimentos elembranças: a hospitalidade, o medo, a fome, a fadiga, a sensação de derrota, a alegria de encontrar, no meio da floresta escura, uma choupana, antítese do palácio, lugar do refúgio inesperado e providencial.
  3. O que é a falta da falta?