Um dos textos que compõem o livro Ficções (Ficciones, 1944) do escritor argentino Jorge Luis Borges, Funes el memorioso é de 1942, tendo sido publicado pela primeira vez no jornal La Nación de Buenos Aires. A história, narrada em primeira pessoa, resgata do esquecimento o encontro entre o narrador e Ireneo Funes, um jovem de Fray Bentos dotado de uma sensibilidade especial. Após um acidente de cavalo, Funes desenvolve uma memória prodigiosa que o impede de dormir e bloqueia seus pensamentos: “pensar é esquecer”, especifica o narrador. Funes é incapaz de elaborar conceitos.

Funes el memorioso, por Borges de Breccia

Borges explicou Funes el memorioso como uma grande metáfora para a insônia. É isso e muito mais. É uma reflexão sobre a relação entre o homem e o Universo. Na história, Borges investiga a necessidade de abstração para o pensamento e para a ciência. Funes torna-se, por sua memória, autista, sem capacidade de enumerar, ou de manejar ideias. Ele só tem impressões, ele se lembra de todas elas. O cão visto às três e um quarto de perfil não pode ter o mesmo nome do mesmo cão, visto de frente, três horas depois. Ireneo Funes não dorme. A queda do cavalo mudou sua vida e ele deixou de ser, como todo cristão, “um homem cego, surdo e abobadado”. Ou seja, ele deixou de ser alguém com capacidade de esquecer.

Umberto Eco cita este conto no documentário A Biblioteca do Mundo, de Davide Ferrario, ao falar sobre memória e nossa importante missão de selecionar o que guardamos e de, principalmente, esquecer as coisas.

“Funes el memorioso”, por Borges de Breccia – Ver post com mais ilustrações 


Questões

1. Para compreender a linguagem sobre-humana de Funes, o memorioso devemos primeiro reconhecer, claramente, algumas características da sua capacidade cognitiva: Quais são elas?
2. Que chance teria um sistema de numeração que correu como o protagonista do texto? Você encontra alguma inconsistência nele?
3. Você acha possível uma linguagem como aludido por Locke, em que cada coisa tem um nome? Você poderia apontar algumas diferenças entre a linguagem e as línguas naturais como as conhecemos?
4. Perto do final do texto, lemos: “Pensei que cada uma das minhas palavras (que cada um dos meus gestos) viveria em sua memória implacável, eu entorpeceu o temor de multiplicar gestos inúteis”. O que Borges com esta reflexão?
5. Finalmente, o que você acha de uma explicação da linguagem que não contempla seu papel como instrumento de cognição?


Jorge Luis Borges (1899-1986) escritor argentino nascido em Buenos Aires, foi contista, ensaísta, poeta e tradutor, e uma figura chave na literatura de língua espanhola e internacional.