Incidente: etimologicamente aquilo que cai sobre alguma coisa. Nestas anotações e fragmentos de diário Roland Barthes experimenta uma forma breve análoga ao haicai japonês ou às epifanias de Joyce.

Considero que o haicai é uma espécie incidente de pequena prega, uma fenda insignificante numa grande superfície vazia. O haicai não deseja agarrar nada no entanto há como se uma dobra sensual o assentimento feliz a lampejos do real a inflexões afetivas. A consequência rigorosa mas também o que constitui a especialidade e a dificuldade do haicai da epifania do incidente é o constrangimento do não-comentário. estrema dificuldade (ou coragem): não dar o sentido um sentido. privada de todo comentário a futilidade do incidente se põe a nu e assumir a futilidade é quase heróico.

Roland Barthes em Apresentação do Romance 1

“Roland Barthes, um dos astros europeus da crítica e teoria literárias do século vinte, deixou-nos um livro, fragmentário e de edição póstuma, intitulado Incidentes (1987), onde são reunidos alguns pequenos ensaios que haviam sido publicados na imprensa, bem como vários textos inéditos. Nesse opúsculo, a vários títulos magnífico, o escritor mistura diferentes registos discursivos – entre a autobiografia diarística e a anotação cronística do relato de viagens. No que diz respeito à teoria da literatura, é pedagogicamente desconcertante a cisão entre a persona de Barthes como professor e teórico e a sua realidade quotidiana de leitor.”

António Manuel Ferreira


Roland Barthes 🇫🇷 (1915-1980) foi um escritor, sociólogo, crítico literário, semiólogo e filósofo francês. Formado em Letras Clássicas e Gramática e Filosofia na Universidade de Paris, fez parte da escola estruturalista, influenciado pelo lingüista Ferdinand de Saussure. Um dos mais importantes intelectuais franceses, foi professor da École Pratique des Hautes Études e do Collège de France. Além de colaborações para diversos periódicos, é autor de, entre outras obras, O grau zero da escritura (1953), Mitologias (1957), Crítica e verdade (1966), Sistema da moda (1967), O prazer do texto (1973) e Fragmentos de um discurso amoroso (1977).