Quando a obra de Mário de Andrade entrou em domínio público, a dupla Angelo Abu e Dan X apresentou uma homenagem caprichada com a adaptação em quadrinhos de Macunaíma, o livro mais importante do escritor modernista, publicado pela primeira vez em 1928. Lá atrás, Mário de Andrade já representava a vanguarda da brasilidade, trazendo parte da cultura tupiniquim que estava capenga em meio a tantos europeus. Seu livro rompia com a literatura da época através da informalidade (literal ou moral) e do mix de culturas, ambos tão brasileiros. Muito foi dito, escrito e feito tendo como base o romance Macunaíma. As pessoas já haviam criado diversos retratos do “herói sem nenhum caráter”, então imagino que a criação de um índio-negro-louro que além de inédito, interessasse o público e talvez, quem sabe, ainda servisse de incite à leitura da obra original, fosse tarefa difícil.

A ideia de adaptá-la em HQ partiu de Angelo Abu, que ao ler o livro se encantou com “aquela mistura de humor, erotismo, poesia e escracho.” Com um traço bastante firme, uma escolha cromática intensa e recortes fiéis e espertos da obra original, “Todas as palavras que estão lá são do Mário de Andrade. O livro foi editado por subtração.” A arte tem uma concepção folclórica que lembra o cordel, mas a história se passa na pauliceia desvairada. A edição é da Peirópolis, parte da coleção Clássicos em HQ.

Com a valorização do saber popular, não há espaço para aquela idealização europeia da cultura indianista. A obra traz o índio com sua indolência e malícia. O povo mostra seus costumes sem polidez, no desenvolvimento urbano e social, e se expressa com liberdade, em zombaria à propriedade, ao politicamente correto, ao “de bem”.

filme homônimo, de 1969, escrito e dirigido por Joaquim Pedro de Andrade, trouxe no elenco Grande Othelo e Paulo José se intercalando no papel principal. Um clássico do cinema brasileiro. Numa época em que as imagens eram mais escassas, o poder que tinham sobre o nosso imaginário era muito maior…