Uma obra escandalosa, imoral e incrível. Juízos de valor podem ser feitos, mas é impossível falar de Ma Mère de Georges Bataille sem tratar do repúdio dos moralistas, já que o livro foi proibido. Junto com outros trabalhos de ficção erótica, Minha Mãe rendeu ao autor a participação inquestionável no rol dos escritores malditos.
“Essa solidão é DEUS.”
O meu exemplar, presente do Martin, um colega tradutor, é da editora Brasiliense, tradução de Maria Lúcia Machado. Esta edição faz parte da coleção Escritos do Prazer, com selo Circo de Letras. Fiz toda a leitura ao som do álbum Guitar Duo French Music.
“Você logo saberá o que é paixão ociosa: é uma condenação.”
Incesto, estupro, voyeurismo, sadomasoquismo, homossexualidade, conflito religioso, culpa, prazer e suicídio; tudo junto compõe a temática do livro. A história é contada por Pierre, que aos 17 anos, recém-chegado da casa dos avós, com quem morava, vê na mãe, Hélène, um objeto afetivo para além da relação tradicional de mãe e filho.
“… o amor que nos unia, minha mãe e eu, era de outro mundo.”
Após seu retorno à casa dos pais, num esquema de filho pródigo às avessas, o pai morre. A mãe passa então a representar segurança e proteção e lhe faz confidências. Pierre vive a angústia da sexualidade da juventude com o plus de desejar a própria mãe.
“Eu tremia e estava infeliz, mas gozava por me abrir para toda a desordem do mundo.”
“O riso é mais divino e até mais inacessível que as lágrimas.”
Hélène fez com que ele a acompanhasse em suas saídas noturnas para que, se o filho a amasse por aquilo que ela de fato era. Hélène tenta desconstruir no filho a visão idealizada que ele construíra, como podemos perceber por suas palavras nada maternais: “Sou uma porca, uma vaca, ninguém me respeita!” ou “Aprenda comigo que nada incita mais à maldade do que estar feliz.”
Este livro trata de um tabu, da perversão; é excessivo em erotismo, mas também dotado de pungência por mostrar a fragilidade humana em sua mais deplorável manifestação: o corpo, que no auge de suas vicissitudes encontra na satisfação do prazer a deprimente sensação de culpa.
“A vida íntima do corpo é tão profunda!”
As personagens parecem valer-se do corpo e suas possíveis experiências como um subterfúgio para superar uma existência fadada à deterioração moral, física e psicológica. Se o autor tenta mostrar um Complexo de Édipo, ou se tenta chocar pelo tema, o enredo amplia a necessidade que o corpo tem de encontrar conforto no prazer.
“…o prazer da inteligência, mais sujo que o do corpo, é mais puro, e o único cujo fio jamais perde o corte.”
Quando a mãe percebe a ligação com o filho e tenta se afastar, sugere a necessidade de reprimir o que ela também sente. É em vão o afastamento, pois as perversões do sexo, vivenciadas pela mãe, foram intensamente assimiladas por Pierre.
“Os aspectos mais inconfessáveis de nossos prazeres são os que nos prendem mais solidamente.”
“Não é mais minha mãe: você é pássaro dos bosques.”
“…imaginei que ninguém teria reencontrado mais perversamente a alegre desordem da infância.”
“…reconhecer uma impossibilidade de triunfar sobre o desejo que, se não é acomodado pela razão, leva à morte.”
“Minha mãe dizia-lhe que o mal não estava em fazer o que ela pedia, mas em querer sobreviver a isso.”
“De que rir, neste mundo, senão de Deus?”
“Pierre, você saberia o que é o dia, se jamais houvesse noite?”
“Lutávamos, enquanto comíamos,
contra um sentimento de decrepitude.”
“Nossa felicidade era precária, repousava em um mal-entendido.”
“Mas levados pelo vinho sabemos melhor porque o pior nos é preferível.”
Versão cinematográfica
Ma Mére (2004) é do diretor Christophe Honoré, e traz no elenco Isabelle Huppert e Louis Garrel.