Podes construir a vida toda e chegar ao fim sem teres abrigo. Podes dar ao mundo os filhos, a força, a fartura, sem alcançares outra recompensa senão essa: a de teres dado. E certamente não há outra maior. Podes estar à mesa a comer sozinho e ao vir-te à memória o número dos teus filhos e dos teus netos tudo de repente perder sentido. Pensa, então, não que a vida te abandona, mas que te leva.

A viuvez e o luto são mais do que o sofrimento. A tarefa da vida é o deserto de te gastares. Ganhaste transparência. Aproximas o que divides e separas. E chamam-te a libertar.


IN: Daniel Faria, Sétimo Dia, edição Assírio & Alvim


Daniel Faria 🇵🇹 (1971-1999) nasceu em Baltar, Paredes, poeta beneditino, precocemente falecido aos 28 anos de idade, quando estava prestes a concluir o noviciado no Mosteiro Beneditino de Singeverga. Frequentou o curso de Teologia na Universidade Católica Portuguesa – Porto, em 1996. No Seminário e na Faculdade criou gosto por entender a poesia e dialogar com a expressão contemporânea. Licenciou-se em Estudos Portugueses na Faculdade de Letras da Universidade do Porto.