I. Pergunta o homem ao seu espírito: «Que me dizes tu da morte?»

II. « – Eis uma estranha pergunta! O homem não compreende a morte, por isso mesmo que é mortal; quando fala da morte, é como se falasse ainda da vida… Só eu a compreendo, eu -, o espírito a quem ela obedece.»

III. «Diz-me então o que é a morte!»

IV. «- De que serve? Há palavras cujo sentido não entendes. Quantas vezes, surge, nos teus lábios, a palavra Infinito, cheia de espanto, sem saber… pondo ela mesma, à sua frente, um sinal de interrogação… Eu vejo as palavras faladas… Vejo-as sair da tua boca, já inertes, porque a sua alma só me pertence a mim. Quanto tu dizes morte, é como se dissesses nada, tudo, finito, infinito… e quando eu murmuro, na tua intimidade, tais palavras, tu ficas como abstracto, alheado… ou como quem vai, de noite, por um caminho e pára, julgando ouvir misteriosa voz. De resto, várias vezes te disse o que era a morte… Mas tu não me percebes… Tornar-te-ei a repetir que a morte… és tu próprio!»

V. «Eu – o ser que vive?»


Teixeira de Pascoaes, Senhora da Noite; Verbo Escuro, ed.


Teixeira de Pascoaes 🇵🇹(1877-1952), pseudônimo de Joaquim Pereira Teixeira de Vasconcelos, nascido em Amarante, foi um poeta, escritor e filósofo português e um dos principais representantes da Renascença e do Saudosismo. De família da aristocracia rural, foi uma criança introvertida e sensível, propensa à contemplação nostálgica. Em 1901 se forma em Direito pela Universidade de Coimbra, mas não participa da boemia coimbrã, passando o seu tempo, monasticamente, no quarto, a ler, a escrever e a refletir. Teve muitos contatos no exterior e foi um bibliografista notável. Publicou, entre outros, O Doido e a Morte (1913), Elegia da Solidão (1920), Versos Pobres (1949).