Os sábios geralmente preferem falar sobre sabedoria e não sobre estupidez. Conseqüentemente, quando o discípulo e professor de Hegel na Universidade de Halle, Johann Ed. Erdmann, anuncia em 1866 seu tema: “Sobre a estupidez”, ele é recebido com risadas. Por quê? Uma das razões, como o próprio Erdmann admite, poderia ser que o tema da estupidez nos lembra de nossas próprias falhas… Setenta anos depois, Robert Musil retomará esse objeto de análise.
A convite de uma associação cultural e econômica de artistas, arquitetos, empresários e artesãos (Werkbund), ocorrida em Viena no início de março de 1937, Musil profere uma rápida conferência intitulada Über die Dummheit. Este ensaio sobre o tema da estupidez, considerado um dos mais importantes do autor, nasce, portanto, de uma conferência em que seu curto, mas agurto conteúdo é proferido oralmente.
Sobre a estupidez, afirma Musil, as pessoas geralmente preferem não falar, não discutir:
“O domínio violento e vergonhoso que a estupidez exerce sobre nós é revelado por muitas pessoas ao demonstrarem-se surpresas de maneira amável e conspiratória quando alguém, a quem confiam, pretende evocar esse monstro pelo nome.”
“(…) o reino da sabedoria, uma região desértica e geralmente evitada” (pág. 62)
“(…) o que denominamos estética também seja uma estupidez estética” (pág. 17)
“(…) entre a estupidez e a vaidade sempre existiu uma relação íntima” (pág. 27)
“Mas qual conceito ou conceito parcial de estupidez se pode formar quando os conceitos de inteligência e sabedoria oscilam?” (pág. 48)
“(…) mesmo nas situações de maior serenidade, a atenção, a compreensão, a memória, quase tudo que faz parte do intelecto é provavelmente dependente das características afetivas” (pág. 49)
“Não há nenhum pensamento importante que a estupidez não saiba aplicar, ela se move em todas as direções e pode vestir todas as roupas da verdade. A verdade, ao contrário, tem apenas uma roupa em qualquer ocasião, um só caminho, e sempre está em desvantagem.” (pág. 55)
“(…) não se pode negar que um comportamento não objetivo, até mesmo inadequado, pode ser com frequencia necessário, pois existe um parentesco entre objetividade e impessoalidade, subjetividade e inobjetividade (…)” (pág. 57)
“(…) as condições de vida atuais são assim tão pouco claras, tão difíceis, tão confusas que as estupidezes ocasionais do indivíduo logo podem tornar-se facilmente uma estupidez constitucional coletiva” (pág. 58)
“A verdade é que, em pessoas simples, algumas características valiosas como fidelidade, constância, pureza de sentimento e afins aparecem não misturadas, mas somente porque a concorrência das outras é fraca.” (pág. 60)
“O significado é também o contrário da estupidez e da rudeza; e a desproporção geral na qual atualmente os afetos esmagam a razão, em vez de inspirá-la, dilui o conceito de significado.” (págs. 60 e 61)
Este é o décimo volume da coleção Biblioteca Antagonista da editora Âyiné, com tradução de Simone Pereira Gonçalves.
Robert Musil (1880-1942)