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Não Saí da Minha Noite

Annie Ernaux

Uma evocação inesquecível de amor, de memória e da dor de separação entre mãe e filha. No verão de 1983, durante uma vaga de calor, a mãe de Annie Ernaux sentiu-se mal e foi hospitalizada. Aperceberam-se de que não comia nem bebia há vários dias, estava desorientada, revelava falhas de memória. Pouco depois, foi diagnosticada com a doença de Alzheimer. “Não saí da minha noite” foi a última frase que escreveu, numa carta a uma amiga, quando já se encontrava a viver com Annie, que nos três anos seguintes manteve um diário. Aí registou não apenas os sinais do agravamento da doença da mãe, mas também os seus próprios sentimentos ao ver-se impotente, assistindo ao definhar daquele ser que lhe deu vida. Tradução de Tânia Ganho.

Francisco de Goya, As Velhas

“Sonho muitas vezes com ela, tal qual era antes da doença. Está viva, mas esteve morta. Quando acordo, durante um minuto, tenho a certeza de que ela vive realmente sob essa dupla forma, morta e viva ao mesmo tempo, como as personagens da mitologia grega que atravessaram duas vezes o rio dos mortos.”

Dorothea Tanning, “Birthday”


Annie Ernaux 🇫🇷 (1940–) nasceu em Lillebonne, na Normandia, e estudou nas universidades de Rouen e de Bordéus, Letras. Uma das vozes atuais mais importantes da literatura francesa, destaca-se por uma escrita onde se fundem autobiografia e sociologia, memória e história. Prémio de Língua Francesa (2008), o Marguerite Yourcenar (2017), o Formentor de las Letras (2019) e o Prince Pierre do Mónaco (2021) , destacam-se os seus livros Um Lugar ao Sol (1984) e Os Anos (2008), vencedor do Prémio Marguerite Duras e finalista do Prémio Man Booker Internacional. Em 2022 venceu o Prêmio Nobel de Literatura.

A Outra Filha

Annie Ernaux

No final da primeira década dos anos 2000, Annie Ernaux recebeu um convite para participar da coleção Les Affranchis, que pede a escritores que façam a carta que nunca foi escrita. É este chamado do presente que a ajudará a abordar um tema difícil e dará à luz este, que talvez seja seu livro em diálogo mais direto com a psicanálise.

Aos dez anos, no verão de 1950, Ernaux escuta uma conversa da mãe com uma cliente e descobre que antes dela, seus pais tiveram outra filha, morta aos seis anos de difteria. A mãe relata à confidente que nunca contaram nada a Annie para não entristecê-la e emenda: “ela era mais boazinha do que aquela ali”.

A irmã mais velha jamais voltou a ser mencionada, exceto quando tias ou amigos deixavam escapar alguma lembrança. Desde aquele dia na infância, Ernaux também oculta seu conhecimento: “Tenho a impressão de que o silêncio nos convinha, a eles e a mim”. Mas as palavras de sua mãe calaram fundo na criança, e mais tarde na mulher, cuja obra é marcada pelo pensamento crítico e pela renúncia de uma moralidade limitadora de sua liberdade.

Nesse livro ocorre uma transformação importante: ele começa tratando a irmã como “a outra filha” e termina colocando ela própria neste lugar de outra, ou seja, ela se descola da família depois de ter percorrido o livro. O presente da escrita transforma o passado. (palavras da tradutora Marília Garcia)

É então nesta pseudocarta endereçada à irmã — à menina boazinha e espécie de santa — que a autora destrincha suas memórias e os significados que essa ausência sempre presente teve em sua vida, sua identidade e sua relação com os pais. Ernaux escreve frases breves e cortantes para lidar com a sombra de alguém que nunca conheceu e com a dor da comparação implícita. “Você é a própria impossibilidade do erro e do castigo”, diz à irmã. E vai além, conectando a morte dela com o próprio princípio de sua existência:

“eu vim ao mundo porque você morreu e eu te substituí”.

Em seu esforço para dar contornos a um fato impreciso de sua história, Ernaux hesita entre interpretar a morte da irmã como a gênese de seu destino de escritora ou como um mero dado biográfico. Sem resolver essa ambivalência, ela testa os limites da linguagem e, como de costume, reflete a respeito da própria escrita: 

“Você está fora da linguagem dos sentimentos e das emoções.
Você é a antilinguagem.”

Num jogo de espelhos, A outra filha evoca duplos como pulsões de morte e vida, sonho e realidade, revelações e tabus. Entretanto, a própria autora adverte que as matérias do inconsciente também têm a ver com a História e rejeita interpretações que não tenham em conta seu contexto. Para a vencedora do Nobel, atrelar memória, história privada e social é o único modo de escrever a vida.

Críticas

“Nesta curta e intensa história, por vezes perturbadora, Annie Ernaux não se permite complacências, não esconde nenhum dos sentimentos conturbados que a habitam, avalia com inteligência e delicadeza a extensão dos terremotos internos. Longe da ternura pela criança ausente (cuja ‘ressurreição’ ela, no entanto, tenta), ela expressa a inquietação diante dessa ‘irmã’ […]. Num estilo sóbrio, austero e de grande elegância, ela identifica os contornos da ausência e a distância intransponível entre ela e a irmã mais velha enterrada no subsolo muito perto de seus pais.” — La Croix


Annie Ernaux 🇫🇷 (1940–) nasceu em Lillebonne, na Normandia, e estudou nas universidades de Rouen e de Bordéus, Letras. Uma das vozes atuais mais importantes da literatura francesa, destaca-se por uma escrita onde se fundem autobiografia e sociologia, memória e história. Prémio de Língua Francesa (2008), o Marguerite Yourcenar (2017), o Formentor de las Letras (2019) e o Prince Pierre do Mónaco (2021) , destacam-se os seus livros Um Lugar ao Sol (1984) e Os Anos (2008), vencedor do Prémio Marguerite Duras e finalista do Prémio Man Booker Internacional. Em 2022 venceu o Prêmio Nobel de Literatura.

A Vergonha

Annie Ernaux

“O meu pai quis matar a minha mãe num domingo de junho, ao começo da tarde.”

É com esta frase que Annie Ernaux inicia a história de uma menina de doze anos, agora mulher, escritora e bem-sucedida, defronte dos ecos de uma recordação que marcaria para ela o fim da infância. Esta é uma reflexão possante sobre o poder da memória e a forma como um só evento é capaz de alterar a consciência que se tem de si e do seu meio social.


Annie Ernaux 🇫🇷 (1940–) nasceu em Lillebonne, na Normandia, e estudou nas universidades de Rouen e de Bordéus, Letras. Uma das vozes atuais mais importantes da literatura francesa, destaca-se por uma escrita onde se fundem autobiografia e sociologia, memória e história. Prémio de Língua Francesa (2008), o Marguerite Yourcenar (2017), o Formentor de las Letras (2019) e o Prince Pierre do Mónaco (2021) , destacam-se os seus livros Um Lugar ao Sol (1984) e Os Anos (2008), vencedor do Prémio Marguerite Duras e finalista do Prémio Man Booker Internacional. Em 2022 venceu o Prêmio Nobel de Literatura.