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Coimbra, uma cidade à beira-rio no centro de Portugal e antiga capital do país, alberga uma cidade velha medieval preservada e a histórica Universidade de Coimbra. Construída no local de um antigo palácio, a Universidade é célebre pela sua biblioteca barroca, a Biblioteca Joanina, e pela sua torre do sino do século XVIII. Na cidade velha encontra-se a catedral românica do século XII, a Sé Velha.

“Não sofra mais”

Ragnar Kjartansson

O soloshow Não sofra mais vai até dia meio de julho, no Mosteiro de Santa Clara-a-Nova, em Coimbra, onde vê-se instalações pensadas especialmente para o local, e também algumas das obras mais conhecidas do artista islandês Ragnar Kjartansson.

Um exemplo é a aclamada “The Visitors”, uma vídeo instalação com nove telas e som ambiente orientado, que retrata nove músicos em um casarão, a tocarem e cantarem a mesma música conjunta e separadamente. Esta foi considerada em 2019 a melhor obra de arte do século XXI pelo jornal inglês The Guardian.

No impressionante Mosteiro, Ragnar decidiu ocupar toda a ala do antigo refeitório e também a ala superior, trazendo um total de 13 obras, sendo cinco delas inéditas. A melancolia ou a ironia são alguns dos temas explorados por Ragnar Kjartansson, um artista com coerência e força conceitual, que explora a ideia do mundo como “uma grande encenação” a partir de performances duracionais, repetidas até à exaustão.

Havia também obras como “A Lot of Sorrow”, uma performance gravada em 2013 com a banda The National, em que o grupo toca em looping, ao longo de seis horas, a canção “Sorrow”. Vimos também “God”, onde o artista volta à performance duracional, cantando repetidamente uma única frase – “Sorrow conquers happiness (A tristeza vence a felicidade)”, acompanhado por uma pequena orquestra.

Vemos no salão um grande desenho de montanhas em contraplacado de uma série existente do artista, inspirada num poema do Goethe. Uma das obras passa por um vídeo gravado em um pequeno oratório em ruínas que há no espaço. Há também uma aguarela com a inscrição “Não sofra mais”, reprodução de uma peça de luz enorme, com oito metros de largura, também com o nome da exposição, que estará instalada na torre virada para a cidade de Coimbra.

Sobre a Bienal Anozero

Anozero – Bienal de Coimbra é uma iniciativa proposta em 2015 pelo CAPC, organizada com a Câmara Municipal de Coimbra e a Universidade de Coimbra, que assume como objetivo promover uma reflexão quanto à circunstância da classificação da Universidade de Coimbra, Alta e Sofia como Património Mundial da UNESCO. A Bienal propõe um confronto entre arte contemporânea e patrimônio, explorando os riscos e as múltiplas possibilidades associadas. O Anozero é, portanto, um programa de ação para a cidade que, através de um questionamento sistemático sobre o território em que se inscreve, poderá contribuir para a construção de uma época cultural atuante e transformadora.

 

15 Perdições da Doçaria Conventual de Coimbra

Os doces portugueses são tradicionalíssimos. Muitos, criados ou aperfeiçoados em conventos. E há variedades curiosas. Vamos conhecer a doçaria conventual de Coimbra: doces preparados por madres, freiras, clarissas e noviças da região central de Portugal. Neste sítio especial os confeitos ganharam toques românticos, poéticos e até picantes! Cada pormenor desta doçaria desperta o pecado numa deliciosa descoberta dupla – verbal e palatal. É gula e luxúria, juntas. Para comer e ler de joelhos.


🥚 Haja OOOOvos!

Gemas, açúcar e amêndoas = base da doçaria conventual portuguesa. Por vezes adiciona-se canela, pouca farinha e frutas cristalizadas. A criatividade e o talento das freiras, cuja rotina não se limitava a rezar e cuidar dos enfermos, possibilitaram inúmeras combinações diferentes, quase sempre com os mesmíssimos ingredientes. Os ovos sempre protagonizam as receitas. Nas casas religiosas, a doçaria conventual evoluiu graças aos excedentes de gemas. Portugal terá sido o maior produtor de ovos do mundo. Antes o mel era o principal adoçante, mas a partir da exploração da cana-de-açúcar brasileira, o açúcar passou a estar disponível, contribuindo para o desenvolvimento da doçaria.


Aperfeiçoamento do Receituário 📔

Nem todas as jovens recebidas nos mosteiros tinham vocação para a clausura. Normalmente iam obrigadas pelas famílias quando não arrumavam casamento ou para fugir de pretendentes indesejáveis. Essas “freirinhas à força” encontravam refúgio para as horas de solidão na cozinha do monastério, para onde levavam receitas de família. Para a evolução do receituário conventual terão contribuído ainda outras mulheres que entravam no convento – mocinhas nobres, de boas famílias, herdeiras solteiras, filhas segundas e viúvas ricas – não só pelo dote e pela proximidade do reino, mas também pelas receitas que traziam consigo. Os preparos se aperfeiçoavam e resultavam em doces novos, elaborados, rebatizados. Tal aconteceu por todo o país, mas Coimbra guarda ainda outra doce característica.


💞 Vai-e-vem de Doces e Versos

Desde o século XVI a cidade é povoada por estudantes, que flertam com noviças. Trata-se de uma tradição culinário-cultural que marcará a vida coimbrã até 1834, quando são extintas as ordens religiosas. Para as tertúlias, as religiosas sugeriam temas por entre as grades dos conventos e esperavam glosas dos estudantes capas negra, do outro lado. Se os versos agradassem, as freiras ofereciam recompensas dulcíssimas. Muitos galanteios passavam entre as grades no vai-e-vem de doces e versos. O formato e o próprio nome dos doces são sugestivos: maminhas de freira, cavaca alta, barriga de freira, encharcadas, talhada… Esses momentos de contato entre a vida conventual e a acadêmica, entre a doçaria e a poesia, ficaram conhecidos como Tardes dos Outeiros ou Abadessadas, onde participaram, entre outros, Antero de Quental, João de Deus, António Castilho e Almeida Garrett, que disse: “mui gulloso doce as madres nos davam”.


Veja detalhes de 15 doces conventuais tradicionais de Coimbra, delícias que até hoje deixam calouros e doutores de água na boca.

 


Maminhas de Freira

1 – Maminhas de Freira

Também conhecido por “manjar branco”, este lascivo doce do Convento de Celas surpreende não só pela forma cônica, mas também pelos ingredientes: peito de frango cozido, farinha de arroz e flor de laranjeira. Inusitadas, as maminhas costumam ser oferecidas em bases redondas de barro. Não confundir com as maminhas de noviça, que embora também sejam conventuais, são alentejanas. As típicas maminhas de freira coimbrãs, junto de outros doces, foram retratadas na singela quadrinha de Alberto Osório de Castro:

“O duplo manjar branco do seu seio,
Biquitos de um dourado de arrufada
Tinham mais mel e mais fino recheio
Que os pastéis de Tentúgal e a queijada”


Cavacas altas

2 – Cavacas altas

Existirá região portuguesa que não tenha uma receita própria de cavaca? Este docinho é mesmo popular. As de Coimbra distinguem-se pela generosidade. Repare no tamanho, é como se pedissem para receber recheio de frutas, creme ou sorvete. Por ser oca e seca, a cobertura de glacê da cavaca é fundamental para umedecer sua massa. A partir de ingredientes modestos é possível criar delícias que se prendem à memória.


3 – Pastéis de Santa Clara

Finos, os Pasteis de Santa Clara talvez sejam o doce conventual mais requisitado na cidade e a criação mais célebre do Mosteiro das Clarissas de Santa Clara, Coimbra. Outrora vendidos na roda da portaria do convento durante o dia de feira das Festas da Rainha Santa (padroeira da cidade), estes pastéis foram depois comercializados nas confeitarias da Praça do Comércio, onde a receita original se mantém. Mas a fama depressa transpôs fronteiras. Os doces delicados em forma de meia-lua, recheados de ovos e amêndoas, chegaram ao Porto, onde eram tradicionalmente vendidos ao domingo à tarde, pelas ruas da cidade.


4 – Lampreia de ovos

É sobretudo ao Mosteiro de Santa Clara que se atribui a origem da lampreia de ovos, um doce natalino imitando a forma de uma lampreia de rio, que é um peixe ciclóstomo de água doce, um tanto assustador, também parte da culinária regional. O doce é composto por capas e fios de ovos, decorados com frutas cristalizadas e confeitos de glacê. Normalmente era vendida em bonitas caixas decoradas com papel colorido. É um doce muito afamado, com presença marcada nas ceias de Natal.


5 – Barrigas de Freira

Nas diferentes receitas, encontramos quase sempre a trilogia “amêndoas-ovos-açúcar” e canela. A versão mais popularizada em Coimbra contém ainda doce de gila, tornando o recheio rico e de textura aprazível. Cada convento guardava a sua receita como um tesouro, sendo algumas transmitidas oralmente. Por isso, muito do patrimônio doceiro não terá chegado aos nossos dias, já que muitas receitas desapareceram com a morte das últimas freiras da época. Não confundir com as Barrigas de Freira de Anadia.


6 – Nevadas de Penacova

Outrora conhecidas como “Palermos Cobertos”, vieram do Mosteiro do Lorvão para Penacova, pelas mãos de uma criada das freiras desta casa religiosa. Os atributos visuais do doce – cobertura rígida em açúcar e cor neutra – escondem a massa fofa e a surpresa do recheio de ovos cremoso no seu interior. Sobre a data da fundação do Mosteiro do Lorvão não existe consenso: alguns investigadores situam-no no séc. XI, e outros consideram que já existiria no séc. VI, ou ainda antes. Começou por ser uma casa masculina, tendo mais tarde, no séc. XIII, passado a albergar a congregação feminina da Ordem de Cister. com a vinda de D. Teresa, que após a anulação do casamento com D. Afonso XI de Leão, veio viver para este mosteiro acompanhada pelas irmãs Sancha, Mafalda, Branca e Berengária, filhas de D. Sancho I.


7 – Pastéis de Lorvão

São uma das famosas criações das freiras do Mosteiro de Santa Maria do Lorvão, que contêm dois dos seus ingredientes preferidos: amêndoas, provável herança árabe na doçaria portuguesa, e canela, a conhecida especiaria oriunda do Ceilão (hoje Sri Lanka). Para além destes pastéis úmidos, tipo queijada, encontramos no receituário das monjas laurbanenses sobretudo doces de colher e “bolos ricos”, como beijinhos de freira, bolo podre de Lorvão, cavacas de Lorvão, e bolo das infantas. Os afamados doces do Lorvão conquistaram personalidades como o General Wellington que, aquando da sua estadia no mosteiro durante o período das Invasões Francesas, em 1810, muito apreciou os mimos doceiros das freiras.


8 – Pastéis de Tentúgal

Os palitos folhados terão sido criados por carmelitas do séc. XVI, que ofereciam o doce às crianças da aldeia, no Natal. De ingredientes “pobres”, mas pincelado à pena, e com a folha mais fina que papel vegetal, o pastel viria a tornar-se o símbolo de Tentúgal. Após o convento N. Sr.ª do Carmo fechar, o doce passou a ser feito pela única hospedaria entre Coimbra e Figueira da Foz. Ali ganharam fama entre os universitários, que os levavam consigo após o término dos estudos. Um deles era António Nobre, que buscava seus pastéis, esperando talvez, entre as folhas transparentes, resposta aos seus versos:

“Freirinhas de Tentúgal, passos lentos!
E o chá com bolos, dentro dos conventos!
Meu Deus! meu Deus! E eu sempre a errar no Mundo!”


9 – Arrufadas

Originária do Convento de Sant’Ana, é um bolo seco (tipo pão doce), de longa conservação, duplamente fermentado, em forma redonda (antigamente, tomava também a forma de ferradura) e com uma coroa no cimo. Este foi um doce que rapidamente se expandiu para além dos muros do Convento, e a continuação e difusão desta receita deveu-se às famosas “vendedeiras de Arrufadas”, que apregoavam o bolo nas ruas da Baixa e na Estação Velha. Na Páscoa, realizava-se um mercado no Largo de Sansão, onde as vendedeiras colocaram em linha os seus tabuleiros de Arrufadas, forrados de toalhas de linho de Almalaguês.


10 – Talhadas de Príncipe

Originárias do Mosteiro de Santa Maria de Celas e surgem como forma de reaproveitar as arrufadas secas e duras. São cobertas com doce de ovos e calda de açúcar, ganhando assim uma textura húmida e muito saborosa.


11. Encharcada

Preparada à base de ovos, açúcar e canela, a encharcada tem origens alentejanas mas foi copiada nos conventos de todo o país. Farta, é uma receita que rende e que deve ser servida em uma tigela de barro, para degustar de colher, aos bons bocados. Quente ou fria, a depender da estação, a encharcada é um doce caseiro, muito comum na mesa portuguesa.


12. Nabada

Um dos doces conventuais mais antigos de Portugal, confeccionado a partir do nabo. A nabada também pode ser acompanhar o pão, o queijo fresco ou curado e até virar recheio de tartes. Foram as freiras do convento beneditino de Santa Maria de Semide, que o habitaram de 1183 a 1896, que o conceberam à base de nabos, açúcar e amêndoas. As receitas mais antigas reportam o uso de almíscar, pau de canela, flor de laranjeira e água de rosas. Para saborear a Nabada, com sabor a amêndoa ou a noz, vai ter de se deslocar ao Restaurante Museu da Chanfana, no Parque Biológico da Serra da Lousã, em Miranda do Corvo.


13. Queijadas de Pereira

Desde 1513, no Convento das Ursulinas. A tradição é mesmo antiga e a receita passou de boca em boca. Na freguesia de Pereira, em Montemor-o-Velho, são várias as pastelarias e doceiras que se dedicam à produção destas suaves queijadas. O preparo é ainda muito artesanal, pois são recheadas e fechadas à mão, uma a uma. A tradição diz que, para fechar a massa, deve-se vincar sete bicos à volta do doce para acomodar bem o recheio. A massa leva apenas farinha, margarina e água morna. O recheio é de queijo fresco, açúcar e gemas de ovo. Depois de cozidas no forno, as queijadas de Pereira são empilhadas e embrulhadas, prontas para viagem.


14. Coscorel / coscorão

Ora, ora, além de deliciosa, esta receita de Natal tem um efeito visual fabuloso. E a composição dos ingredientes também  não fica atrás: leva 1/2 cálice aguardente e oito ovos. São eles os coscuréis, ou seja, filhós de forma, de flor ou floreta, como dizem a depender da região (ou pastelaria). E se em Portugal não há Natal sem canela, tampouco há Natal sem frituras doces. Estas filhoses são aromáticas e ainda podem levar calda e raspas de laranja. É necessária uma tradicional forma de metal com desenhos geométricos e recortes interiores para fritar a massa e fazer as filhoses.


15. Amores da Curia

Os amores da Curia surgiram pela mão da alemã Emília Wissman que veio para Portugal muito jovem. Originalmente de forma quadrada, são pasteis de massa folhada muito fina, recheada com ovos moles e polvilhados com açucar pilé, atualmente apresentados em forma de coração. Onde comer Amores da Curia? No Restaurante Nova Casa dos Leitões – Aguim, em Anadia.

 

 

 

 

Literatura sobre a Doçaria Conventual de Coimbra

“Na paleta dos sabores, os doces sobressaem com particular relevo. Temperam a boca depois dos salgados, dos acres, dos picantes, no final de uma refeição. Deliciam o corpo e adoçam o espírito em momentos de comemoração e de partilha. São mimos que se apresentam como dons, como oferendas.”

— lê-se no prefácio d’A Doçaria Conventual de Coimbra, livro de Dina Fernanda Ferreira de Sousa, que através de sua tese de doutorado, nos incita a degustar os doces conventuais de Coimbra através de sua avaliação e narrativa acadêmica.


Onde Comer em Coimbra

E como não poderia faltar, para além da doçaria conventual, fiz também um post com sugestões de restaurantes, cafés e tascas perfeitas para saborear as delícias típicas da cidade: Onde Comer em Coimbra


Outros Roteiros por Coimbra

Veja também o post Coimbra, a cidade dos estudantes para conhecer os melhores pontos e atrações turísticas da cidade. E confira o post com o Roteiro Poético por Coimbra para conhecer a cidade pelo olhar de diversos escritores portugueses.

 

Autoria

Julia Medrado (1985–), paulistana, vive em Coimbra – Portugal, é tradutora, publicista e mestre em Literatura e Crítica Literária. Graduada em Letras pela PUC-SP, é também especialista em Gestão de Projetos Digitais pelo SENAC. Presta serviços junto a redatores, revisores e tradutores; em 2010 criou a Tradstar e, desde então, se divide entre projetos, alguns literários e absolutamente pessoais, como este site que leva seu nome.