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47 contos de Juan Carlos Onetti

Juan Carlos Onetti

O uruguaio Juan Carlos Onetti, ainda que tenha recebido o prestigioso prêmio Cervantes em 1980, não é um nome frequentemente citado e, ainda que seja idolatrado por figuras como Júlio Cortazar (que o considerava o maior romancista latino americano), e tenha se tornado verdadeiro objeto de culto entre os conoissieurs, permanece um escritor obscuro, um típico writer’s writer.

Parte desta relativa obscuridade se deve ao fato de que a aplicação do termo realismo mágico para sua obra se revela inadequada, insuficiente e injusta. Na literatura do Onetti não encontraremos paisagens selváticas
tropicais, enredos intrincados e atmosfera mágica. Nela veremos (anti) heróis, fumantes inveterados, que, não importando condição financeira e status social, carregam nas costas todo o absurdo e tédio da existência como um fardo que mesmo depois da morte os assombrarão pela eternidade. Para eles as fantasias, lorotas, ilusões, autoengano e até “autobiografias imaginárias” lhes servem como um antídoto para o pesado fardo da existência, e algumas vezes do desespero absoluto e suicídio.

Praticante do que se convencionou como uma espécie de existencialismo-introspectivo-onírico-poético-melancólico, Onetti embala suas fábulas de ilusão e auto-engano em prosa sinuosa impecável, de uma precisão, beleza plástica, intensidade poética e finura psicológica.

Exercícios

Hilda Hilst

Paulista de Jaú, Hilda Hilst (1930-2004) foi uma das mais versáteis escritoras brasileiras do século 20. Para o crítico Anatol Rosenfeld, “Hilst pertence ao raro grupo de artistas que conseguiram qualidade excepcional em todos os gêneros literários que se propôs – poesia, teatro e ficção”.

Organizador do presente volume, Alcir Pécora adverte que Exercícios reúne “quase dez anos de escritos poéticos de Hilda Hilst, quando ela era em parte uma escritora diferente da que se ia tornar, sobretudo depois que suas experiências de prosa passarão a atuar na configuração de sua poesia”.

Diferente, mas não menos relevante: na obra, Hilst, por um lado, adota uma dicção arcaizante e medieval e, por outro, desenvolve uma poesia que Pécora qualifica de “órfica”, com influência de Rainer Maria Rilke (1875-1926).

Para a música, a obra se revelou fundamental: primo de Hilst, o compositor Almeida Prado (1943-2010) se consagrou ao musicar os “Pequenos Funerais Cantantes ao Poeta Carlos Maria de Araújo”, que abrem o livro.


Nota do organizador

Pequenos funerais cantantes ao poeta Carlos Maria de Araújo
Corpo de terra
Corpo de luz

Exercícios para uma ideia

Trajetória poética do ser (I)
Passeio
Memória

Odes maiores ao pai

Iniciação do poeta

Sete cantos do poeta para o anjo

Ode fragmentária
Heroicas
Quase bucólicas
Testamento lírico

Trovas de muito amor para um amado senhor

Roteiro do silêncio
Cinco elegias
Sonetos que não são
Do amor contente e muito descontente

Obras publicadas de Hilda Hilst, além da bibliografia selecionada e da cronologia de sua vida.

As Meninas

Lygia Fagundes Telles

Lançado em 1973, no auge da ditadura militar, As Meninas é um dos romances mais famosos da escritora paulistana Lygia Fagundes Telles, tendo sido premiado com o Prêmio Jabuti, em 1974.  A União Brasileira de Escritores encaminhou à Academia Sueca a indicação de Lygia Fagundes Telles para o Prêmio Nobel de Literatura 2016 com unanimidade entre os diretores. Para Durval Goyos, presidente da instituição, “Lygia é a maior escritora brasileira viva e a qualidade de sua produção é inquestionável”.

Gostei logo de cara e li com relativa rapidez, acho que no máx. uns seis dias. Com uma técnica literária muito segura, a autora usa diferentes focos narrativos para contar a história de três universitárias que vivem em um pensionato: Lorena, Lia e Ana Clara. De enredo aparentemente simples, o contexto da obra nos revela implicações políticas, sociais e de gênero bastante ousadas e importantes para a época, mas ainda relevantes nos dias de hoje.

“É no trivial que está o trágico.”

Esse trio que forma as vozes do livro se alterna e se mistura, nos contando as problemáticas individuais das meninas aos poucos, pelas frestas das frases e dos acontecimentos. Há também uma voz narrativa mais gramatical que liga as partes, em discurso indireto, mas que em nenhum momento nos mostra mais do que as próprias meninas querem dizer. Ouvi algumas pessoas dizerem que acham a leitura difícil, confusa etc. Já eu, acredito que seja fácil identificar as vozes, pois há elementos de diferenciação bastante claros.

“Comecei a achar que Deus era simplesmente isso, um bricoleur de gente.”

O título merece atenção, achei que a Lygia foi totalmente feliz em sua escolha. Embora estejamos em contato com as histórias de jovens mulheres que cursam faculdade, têm independência social e traçam seus próprios destinos, o termo “meninas” lhes cai perfeitamente bem. Uma vez que mesmo ‘sabidas’, elas ainda sabem pouco e do pouco que sabem, criam todo um universo emocional, como fazem as meninas. E por ser um universo totalmente girlie, luluzinha até dizer chega, penso que algumas pessoas possam se cansar do fluxo de consciência, mas consegui me envolver sem nenhuma dificuldade. Aliás, esse livro pode ser super indicado para adolescentes.

“O horror que tenho de cueca, a começar pelo nome.”

Das três meninas, a minha favorita era Lorena. A personagem mais intelectual, sensível e articulada. Uma burguesinha complexada, virgem, idealizadora platônica e leitora voraz de romances, é ela quem aparece mais no livro, e a que interage melhor como as outras duas meninas, afinal seu dinheiro e sua influência funcionam como uma espécie de agente centralizador do grupo.

“Em meio das risadas notei qualquer coisa de dolorimento.”

Outra personagem é a Lião, apelido de Lia de Melo Schultz, que combinava-lhe muito bem, pois era a militante do grupo, a guerrilheira meio baiana meio alemã que se envolve com política de esquerda. Confesso que era uma personagem que me irritava um pouco por conta de um maneirismo que a Lygia soube usar muito bem na voz dela, tudo o que Lia dizia era acompanhando por uma interjeição “ô” e eu conheci algumas pessoas com essa mesma mania… Peguei cisma com Lia.

“Ana Clara contou que tinha um namorado que endoidava quando ela tirava os cílios postiços…”

E por fim, a terceira e problemática Ana Clara, chamada de Ana Turva pelas amigas. Ela é uma ruiva que aspira ascender na vida graças à sua beleza capa-de-revista, mas tem manias de grandeza, um passado tortuoso e traumático que a torna uma mentirosa compulsiva. Embora alegue ter um noivo rico, se envolve com um traficante e decai em um mundo de drogas e delírio, até que o inesperado lhe acontece.

“As ciganagens dos jovens têm qualquer coisa de heroísmo na falta de cálculo, no desprendimento.”

Abre-se então mais um viés por onde podemos analisar a amizade das meninas, pois o pensamento que fazem umas das outras não condiz com as atitudes que cada uma tem perante as amigas. As palavras e julgamentos se amenizam pessoalmente, como na vida real em sociedade. E eu acredito que esteja aí o segredo dos relacionamentos desta obra.

“Felicidade é isso é se preparar calculando tudo ponto por ponto. Estruturar.”

Minha edição veio com uma resenha de Cristóvão Tezza abarcando uma crítica tão excelente que depois dela parece não haver mais o que ser dito. Temos também um depoimento da própria Lygia, publicado originalmente no jornal O Estado de S. Paulo no dia 12 de outubro de 1975, onde a autora menciona a importância de testemunhar e registrar determinado tempo.

“Liberdade é segurança.”

E, de fato, em certo momento da obra, a militante Lia lê um texto sobre as crueldades ocorridas durante a ditadura militar. Em um evento promovido pelo Itaú Cultural em 2011, Lygia conta que o relato lido pela personagem é, na verdade, a reprodução de um panfleto que denunciava as torturas sofridas. “E como poderia escrever um romance morno em pleno ano de 1970?”

“Não sei aguentar o sofrimento dos outros, entende?”

 


Outras Edições

Ah, preciso fazer uma ressalva quanto a capa desta edição que simplesmente não me pareceu ter nenhuma conexão com a temática do romance. Um barquinho de papel em uma sarjeta? Lembrei que a coleção feita pela Companhia das Letras está simplesmente bárbara, com obras a la Beatriz Milhazes nas capas. A coleção está mesmo linda:

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Adapção pro Cinema

Há também um filme inspirado na obra, também chamado As Meninas feito no ano 1995 e dirigido por Emiliano Ribeiro. Estrelando Adriana Esteves (Lorena), Drica Moraes (Lia) e Claudiz Liz (Ana Clara). No YouTube tem uma reprodução na íntegra. IMDB

 

 

 

 

 

 


Lygia Fagundes Telles 🇧🇷 (1923-), também conhecida como “a dama da literatura brasileira”, é uma escritora paulistana, considerada por acadêmicos, críticos e leitores uma das mais importantes e notáveis escritoras brasileiras do século XX e da história da literatura brasileira. Além de advogada, romancista e contista, Lygia tem grande representação no pós-modernismo, e suas obras retratam temas clássicos e universais como a morte, o amor, o medo e a loucura, além da fantasia.