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Éramos amigos e nos tornamos estranhos

Friedrich Nietzsche

Amizade Estelar

“Nós éramos amigos e nos tornamos estranhos um para o outro. Mas está bem que seja assim, e não vamos nos ocultar e obscurecer isto, como se fosse motivo de vergonha. Somos dois barcos que possuem, cada qual, seu objetivo e seu caminho; podemos nos cruzar e celebrar juntos uma festa, como já fizemos — e os bons navios ficaram placidamente no mesmo porto e sob o mesmo sol, parecendo haver chegado a seu destino e ter tido um só destino. Mas então a todo-poderosa força de nossa missão nos afastou novamente, em direção a mares e quadrantes diversos, e talvez nunca mais nos vejamos de novo — ou talvez nos vejamos, sim, mas sem nos reconhecermos: os diferentes mares e sóis nos modificaram! Que tenhamos de nos tornar estranhos um para o outro é a lei acima de nós: justamente por isso devemos nos tornar também mais veneráveis um para o outro! Justamente por isso deve-se tornar mais sagrado o pensamento de nossa antiga amizade! Existe provavelmente uma enorme curva invisível, uma órbita estelar em que nossas tão diversas trilhas e metas estejam incluídas como pequenos trajetos — elevemo-nos a esse pensamento! Mas nossa vida é muito breve e nossa vista muito fraca, para podermos ser mais que amigos no sentido dessa elevada possibilidade. — E assim vamos crer em nossa amizade estelar, ainda que tenhamos de ser inimigos na Terra.”


Fonte: Friedrich Wilhelm Nietzsche, in “A Gaia Ciência” – aforismo 279 / Editora Companhia das Letras, 2011 –

Imagem: La Reconnaissance infinie (1963) de René Magritte (reprodução)


Friedrich Nietzsche (1844–1900) foi um filósofo, filólogo, crítico cultural, poeta e compositor prussiano do século XIX, nascido na atual Alemanha. Escreveu vários textos criticando a religião, a moral, a cultura contemporânea, filosofia e ciência, exibindo uma predileção por metáfora, ironia e aforismo.

Recusa do não-lugar

Juliano Garcia Pessanha

Misto de ficção e não ficção, este livro de Juliano Garcia Pessanha (JP) é um testemunho radical e urgente, um exemplo transformador, nas palavras do crítico Roberto Taddei, “que propõe e inaugura um novo caminho para a literatura que, a partir do diálogo com a psicanálise e a filosofia, se expande sem ser delas tributária“.

Se em seus livros anteriores o autor-personagem se isolava numa espécie de romantismo da negatividade, aqui JP realiza um salto: a ideia do sujeito que nasceu “para fora”, estranhado com o mundo – e, por isso mesmo, privilegiado para falar sobre ele –, perde sua aura em nome do acolhimento, da possibilidade de adentrar e de ressoar com o mundo.

Esta virada tem por base a apropriação da conhecida teoria psicanalítica sobre a relação mãe–bebê de Winnicott e da filosofia das esferas de Sloterdijk, em contraposição com negatividade e o vazio característicos do pensamento de Heidegger ou de Nietzsche, que marcaram a prosa do poeta-filósofo até então. Recusa do não-lugar é um relato comovente (e nada autocomplacente) sobre o abandono, a reclusão e as sucessivas tentativas frustradas de entrar no mundo, combinado com sofisticados conceitos filosóficos e psicanalíticos.


Juliano Garcia Pessanha 🇧🇷(1962–) nasceu em São Paulo, estudou direito e filosofia, e é mestre em Psicologia. É professor e dirige oficinas de escrita. Também é autor da trilogia: Sabedoria do Nunca (1999, com textos que ganharam o Prêmio Nascente, promovido pela Abril/USP), Ignorância do Sempre (2000) e Certeza do Agora (2002), todos publicados pela Ateliê Editorial. Depois, escreveu Recusa do Não-Lugar e mais recentemente O filósofo no porta-luvas (2021). Nesses livros de difícil classificação, ele mistura ensaio, poesia e ficção.