tag . Georges Bataille

História do Olho

Georges Bataille

Expressão máxima do erotismo universal e texto de estreia de Georges Bataille, História do olho é também sua obra mais célebre e um dos maiores clássicos da literatura do século XX.

Chocante e sacrílega, esta novela é a expressão da obsessão do autor pela proximidade entre sexo, violência e morte, e sua dimensão filosófica se depreende do exercício ilimitado que Bataille faz de tal relação.

Publicado em 1928 sob o pseudônimo de Lord Auch, o livro acompanha as peripécias sexuais do jovem narrador e de sua amiga Simone. Embebido da atmosfera do surrealismo francês, do qual o próprio Bataille chegou a fazer parte, o relato suspende do horizonte das personagens o interdito do universo adulto e propicia aos jovens uma jornada de extravagâncias que envolvem sadismo, orgias, tortura e loucura, culminando em um ato de transgressão.

“Para os outros, o universo parece honesto. Parece honesto para as pessoas de bem porque elas têm os olhos castrados. É por isso que temem a obscenidade. […] apreciam os ´prazeres da carne´, na condição de que sejam insossos.”

textos do Apêndice: Michel Leiris faz uma análise biográfica da História do Olho, enquanto Roland Barthes faz uma análise linguística e Julio Cortázar fecha com uma poética crônica sobre os selins de bicicleta.

“a diversão é a necessidade mais gritante e, é claro, mais terrificante da natureza humana”

“Era durante a qual os tabus imemoriais são violados sistematicamente por esses jovens deuses ansiosos e turbulentos, o narrador e Simone, e por seu acólito, os três tentando infinitamente ocupar seu ócio absoluto com os gestos aberrantes que exige sua sede inextinguível de se sentir ao mesmo tempo fora de toda lei e fora de si mesmos (…)”

Enquanto isso, o céu ameaçava uma tempestade e, com a noite grossos pingos de chuva haviam começado a cair, aliviando a tensão de um dia tórrido e sem ar. O mar fazia um barulho enorme, dominado pelos fortes estrondos dos trovões, e os relâmpagos permitiam ver, como à luz do dia, os dois cus excitados das meninas então emudecidas. Um frenesi brutal agitava nossos três corpos. Duas bocas juvenis disputavam meu cu, meus colhões e meu pau, e eu não parava de abrir pernas úmidas de saliva e porra. Era como se eu quisesse escapar do abraço de um monstro,  e esse monstro era a violência dos meus movimentos. (…) A violência dos trovões nos assustava e aumentava nossa fúria, arrancando-nos gritos que ficavam mais fortes a cada relâmpago, ante a visão de nossos séculos.

 

 

 

Para os outros o universo parece honesto. Parece honesto para as pessoas de bem porque elas têm os olhos castrados. É por isso que temem a obscenidade. Não sentem nenhuma angústia ao ouvir o grito do galo ou ao descobrirem o céu estrelado. Em geral, apreciam os “prazeres da carne”, na condição de que sejam insossos.

Kiril Bikov is Bulgarian, but living and working in Berlin. His photography reflects a critical engagement with his interests in thanatology (the study of death)

eu não gostava daquilo  a que se chama “prazeres da carne”, justamente por serem insossos. Gostava de tudo o que era tido por “sujo”. Não ficava satisfeito, muito pelo contrário, com a devassidão habitual, porque ela só contamina a devassidão e, afinal de contas, deixa intacta uma essência elevada e perfeitamente pura. A devassidão que eu conheço não suja apenas meu corpo e os meus pensamentos, mas tudo o que imagino em sua presença, e sobretudo, o universo estrelado…

Flying Bull During a Bullfight , Spain

Flying Bull during a Bullfight Spain by Felipe Rodriguez

 

Toda representação do tédio está associada, para mim, a este momento e ao cômico obstáculo que é a morte.

Essa alucinação pessoal se desenrolava agora com a mesma falta de limites que o pesadelo global da sociedade humana, por exemplo, com a terra, a atmosfera, o céu.

 

6

Cover illustration from Ögate Historia by Georges Bataille

 

On May 7, 1922, the toreadors La Rosa, Lalanda and Granero were to fight in the same arena of Madrid: the last two were renowned as the best matadors in Spain, and Granero was generally considered superior to Lalanda. He had only just turned twenty, yet he was already extremely popular, being handsome, tall and still of a childlike simplicity. Simone had been deeply interested in his story, and exceptionally, had shown a genuine pleasure when Sir Edmund announced that the celebrated bull-killer had agreed to dine with us the evening of the fight.

4

A Bullfight in Lima by Gustaf Tenggren (1919)

Granero stood out from the rest of the matadors because there was nothing of the butcher about him: he looked more like a very manly Prince Charming with a perfectly elegant figure. In this respect, the matador’s costume is quite expressive, for its safeguards the straight line shooting up so rigid and erect every time the lunging bull grazes the body and because the pants so tightly sheathe the behind. a bright red cloth and a brilliant sword (before the dying bull whose hide steams with sweat and blood) completes the metamorphosis, bringing out the most captivating features of the game. One must also bear in mind the typical torrid Spanish sky, which never has the colour or harshness one imagines: it is just perfectly sunny with a dazzling but mellow sheen, hot, turbid, at times even unreal when the combined intensities of light and heat suggest the freedom of the senses.

5

Spanish bullfighter Cayetano Rivera performs at the Plaza Valencia, Spain

Now this extreme unreality of the solar blaze was so closely attached to everything that was happening around me during the bullfight on May 7, that the only objects I have ever carefully preserved are a round paper fan, half yellow, half blue, that Simone had that day, and a small illustrated brochure with a description of all the circumstances, and a few photographs. Later on, during an embarkment, the small valise containing these two souvenirs tumbled into the sea, and was fished out by an Arab with a long pole, which is why the objects are in such a bad state. But I need them to fix that event to the earthly soil, to a geographic point and a precise date, an event that in my imagination compulsively pictures as a simple vision of solar deliquescence.

7

Juan Jose Padilla by AP

The first bull, the one who’s balls Simone looked forward to serving raw on a plate, was a kind of black monster, who shot out of the pen so quickly that despite all efforts and all shouts, he disembowelled three horses in a row before an orderly fight could take place; one horse and rider were hurled aloft together, loudly crashing down behind the horns. But when Granero faced the bull, the combat was launched with brio, proceeding amid a frenzy of cheers. The young man sent the furious beast chasing around him in his pink cape; each time, his body was lifted by a sort of spiraling jet, and he just barely eluded a frightful impact. In the end, the death of the solar monster was performed cleanly, with the beast blinded by the scrap of red cloth, the sword deep in the blood-smeared body. An incredible ovation resounded as the bull staggered to its knees with the uncertainty of a drunkard, collapsed with its legs sticking up, and died.

Simone, who had sat between Sir Edmund and myself, witnessed the killing with an exhilaration at least equal to mine, and she refused to sit down again when the interminable acclamation for the young man was over.

8

Illustration from More English Fairytales collected and edited by Joseph Jacobs and illustrated by John D Batten, published by D Nutt (London, 1894)

 

Minha Mãe

Georges Bataille

Uma obra escandalosa, imoral e incrível. Juízos de valor podem ser feitos, mas é impossível falar de Ma Mère de Georges Bataille sem tratar do repúdio dos moralistas, já que o livro foi proibido. Junto com outros trabalhos de ficção erótica, Minha Mãe rendeu ao autor a participação inquestionável no rol dos escritores malditos.

“Essa solidão é DEUS.”

O meu exemplar, presente do Martin, um colega tradutor, é da editora Brasiliense, tradução de Maria Lúcia Machado. Esta edição faz parte da coleção Escritos do Prazer, com selo Circo de Letras. Fiz toda a leitura ao som do álbum Guitar Duo French Music.

“Você logo saberá o que é paixão ociosa: é uma condenação.”

Incesto, estupro, voyeurismo, sadomasoquismo, homossexualidade, conflito religioso, culpa, prazer e suicídio; tudo junto compõe a temática do livro. A história é contada por Pierre, que aos 17 anos, recém-chegado da casa dos avós, com quem morava, vê na mãe, Hélène, um objeto afetivo para além da relação tradicional de mãe e filho.

“… o amor que nos unia, minha mãe e eu, era de outro mundo.”

Após seu retorno à casa dos pais, num esquema de filho pródigo às avessas, o pai morre. A mãe passa então a representar segurança e proteção e lhe faz confidências. Pierre vive a angústia da sexualidade da juventude com o plus de desejar a própria mãe.

“Eu tremia e estava infeliz, mas gozava por me abrir para toda a desordem do mundo.”

“O riso é mais divino e até mais inacessível que as lágrimas.”

Hélène fez com que ele a acompanhasse em suas saídas noturnas para que, se o filho a amasse por aquilo que ela de fato era. Hélène tenta desconstruir no filho a visão idealizada que ele construíra, como podemos perceber por suas palavras nada maternais: “Sou uma porca, uma vaca, ninguém me respeita!” ou “Aprenda comigo que nada incita mais à maldade do que estar feliz.”

Este livro trata de um tabu, da perversão; é excessivo em erotismo, mas também dotado de pungência por mostrar a fragilidade humana em sua mais deplorável manifestação: o corpo, que no auge de suas vicissitudes encontra na satisfação do prazer a deprimente sensação de culpa.

“A vida íntima do corpo é tão profunda!”

As personagens parecem valer-se do corpo e suas possíveis experiências como um subterfúgio para superar uma existência fadada à deterioração moral, física e psicológica. Se o autor tenta mostrar um Complexo de Édipo, ou se tenta chocar pelo tema, o enredo amplia a necessidade que o corpo tem de encontrar conforto no prazer.

“…o prazer da inteligência, mais sujo que o do corpo, é mais puro, e o único cujo fio jamais perde o corte.”

Quando a mãe percebe a ligação com o filho e tenta se afastar, sugere a necessidade de reprimir o que ela também sente. É em vão o afastamento, pois as perversões do sexo, vivenciadas pela mãe, foram intensamente assimiladas por Pierre.

“Os aspectos mais inconfessáveis de nossos prazeres são os que nos prendem mais solidamente.”

“Não é mais minha mãe: você é pássaro dos bosques.”

“…imaginei que ninguém teria reencontrado mais perversamente a alegre desordem da infância.”

“…reconhecer uma impossibilidade de triunfar sobre o desejo que, se não é acomodado pela razão, leva à morte.”

“Minha mãe dizia-lhe que o mal não estava em fazer o que ela pedia, mas em querer sobreviver a isso.”

“De que rir, neste mundo, senão de Deus?”

“Pierre, você saberia o que é o dia, se jamais houvesse noite?”

“Lutávamos, enquanto comíamos,
contra um sentimento de decrepitude.”

“Nossa felicidade era precária, repousava em um mal-entendido.”

“Mas levados pelo vinho sabemos melhor porque o pior nos é preferível.”


ma-mereVersão cinematográfica

Ma Mére (2004) é do diretor Christophe Honoré, e traz no elenco Isabelle Huppert e Louis Garrel.