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como se o mundo não tivesse leste

Ruy Duarte de Carvalho

ano de publicação: 1977
edição 2003 – cotovia editora

3 contos + Glossário:

  • Águas do Capembáua
  • João Carlos, natural do Chinguar, no Bié
  • Como se o mundo não tivesse leste

 

Águas do Capembáua

  • regionalização etnográfica (sudoeste angolano)
  • o contar de uma história / estória de pastores (discutir essa diferença)
  • o ataque de um animal selvagem a um inocente / oferenda
  • a seca e a vinda das chuvas
  • o colonialismo branco
  • relação racial


Fauna – ovelha caracul, gado, onça
Flora –

O que normalmente acontece é uma progressiva diminuição da capacidade de estar, e esse é um peso que muito dificilmente pode ocultar-se.

pg. 20

Jamais incorreria na ligeireza de entender independentes duas ocorrências que se sobrepunham no espaço e no tempo.

Arquivei na memória o que se sabia da estória (como tenho feito para tantos casos), à espera que o destino me trouxesse a resposta, ou tempo para inventá-la.

pg. 21

 


Ruy Duarte de Carvalho (1941-2010) foi um escritor, cineasta e antropólogo angolano, nascido em Santarém.

A sociedade dos sonhadores involuntários

José Eduardo Agualusa

“A Sociedade dos Sonhadores Involuntários” sonha a liberdade para Angola

Em A Sociedade dos Sonhadores Involuntáriosde José Eduardo Agualusa, todos os personagens se ligam ao sonho. Acima de tudo, todos eles sonham um novo futuro para Angola. Assim, o décimo quarto romance do escritor angolano é uma fábula que revela o contexto político do país africano, criticando o status quo, que se funda em corrupção, desigualdade e ausência de liberdade. Inspirado nos dezassete activistas angolanos detidos – entre eles, Luaty Beirão -, Agualusa narra um combate político que consegue derrubar o governo de Angola. Afinal, como evidencia na epígrafe: «o real dá-[lhe] asma» (E.M. Cioran).

O protagonista do romance é Daniel Benchimol, um jornalista que se especializou em desaparecimentos de pessoas, verbas e objectos. Sonha a vida inteira de pessoas que existem, mas ainda não conhece. Ao longo da narrativa, Daniel encontrar-se-á constantemente numa espécie de entre-lugar: o seu casamento com Lucrécia termina por criticar «os erros do Governo porque sonhava com um país melhor» e no momento do combate tende a evidenciar cobardia. Nos instantes em que renega o medo, chama-se Demónio Benchimol e «sofre surtos de bravura».

Daniel não será o único narrador da obra. Em alguns momentos, far-se-á ouvir a voz de Hossi Kaley, o proprietário do Hotel Arco-Íris. Ao contrário de Benchimol que defende um combate pacífico, Hossi apregoa o grito da revolta e recusa-se a sucumbir ao medo, porque «O pacifismo, meu irmão, é como as sereias: não respira fora do mar da fantasia, não se dá bem com a realidade». E se Daniel sonha a vida das pessoas, o hoteleiro vagueia pelos sonhos dos outros.

O que unirá ambos os personagens ao longo da narrativa será a actividade onírica, o combate político e o grupo de jovens activistas detido por desrespeitarem o Presidente de Angola. O país africano da obra de Agualusa caracteriza-se por uma política antidemocrática, que cultiva o medo e privilegia somente um restrito grupo de cidadãos. Porque haveria Angola se de reger por uma democracia se «Deus fez os leões e fez as gazelas, e fez as gazelas para que os leões as comessem. [Ou seja,] Deus não é democrático»? Para destronar o Presidente angolano, sete jovens revoltam-se contra o sistema político, social e económico do país, acabando detidos. Entre eles, encontram-se Karinguiri – filha de Daniel Benchimol – e Sabino Kaley, electricista e o sobrinho mais velho de Hossi. A questão coloca-se: «Como é que vocês podem ter medo de um regime que estremece quando sete jovens sem poder algum lhe levantam a voz»?

Uma fábula política, satírica e divertida em torno dos sonhos, criada por um dos mais premiados autores lusos contemporâneos. O jornalista Daniel Benchimol sonha com pessoas que não conhece. Moira Fernandes, artista plástica moçambicana radicada na Cidade do Cabo, encena e fotografa os próprios sonhos. Hélio de Castro, neurocientista brasileiro, desenvolveu uma máquina capaz de filmar os sonhos de outras pessoas. Hossi Kaley, hoteleiro, com um passado obscuro e violento, tem com os sonhos uma relação muito diversa e ainda mais misteriosa: ele pode caminhar pelos sonhos alheios, ainda que não tenha consciência disso. O onírico e seus mistérios acabam por unir estes quatro personagens numa dramática sucessão de acontecimentos, desafiando e questionando a sociedade e suas regras, além da própria natureza do real, da vida e da morte. Uma fábula política, satírica e divertida, que desafia e questiona a natureza da realidade.

Além do questionamento, Agualusa revela coragem em contar uma Angola antidemocrática, decalcando o regime vigente e os acontecimentos que se têm desenrolado no país africano. É uma narrativa que cresce na simplicidade e na prosa poética e delicada que os escritores africanos nos têm habituado. Ademais, o misticismo – que também encontramos, por exemplo, no autor moçambicano Mia Couto – assume-se como um dos motes da trama.

Ainda que Sociedade dos Sonhadores Involuntários tenha cumprido o seu propósito, depois de nos fazer questionar o cinza que impera entre o preto e o branco, Agualusa escreveu uma luta política um tanto cor-de-rosa e maniqueísta, criando uma segregação óbvia e estereotipação nos grupos sociais, em alguns personagens e nos próprios eventos.

 

“Agualusa é um tradutor de sonhos. A sociedade dos sonhadores involuntários é um romance tecido com os mais delicados materiais da poesia.” — MIA COUTO

Uma escuridão bonita

Ondjaki

O medo do escuro talvez seja o primeiro grande desafio da infância. Alguns cientistas afirmam inclusive que esse medo está em nosso DNA desde o início dos tempos. Nós humanos, na ausência de luz, podemos imaginar as coisas mais terríveis quando enganados pelos outros sentidos: sombras que tomam formas de monstros e barulhos estranhos que não nos deixam dormir à noite.
Mas basta crescermos um pouco para a imaginação colocar a escuridão do nosso lado. As sombras que antes assustavam se transformam em brincadeira na parede mais próxima – o que na juventude pode servir para alimentar boas conversas, inventar histórias e realizar encontros mágicos.

“O escuro às vezes não é falta de luz, mas a presença de um sonho…”

Uma escuridão bonita fala da beleza desses encontros. Um casal de jovens aproveita a falta de luz em sua cidade para trocar algumas palavras sobre suas vidas e, assim, se descobrem aos poucos. Uma história escrita pelo premiado escritor angolano Ondjaki sobre as coisas não ditas, mas que acabam por preencher os jovens corações sem medo da ausência de luz.


Ondjaki Ndalu de Almeida (1977-), popularmente conhecido como Ondjaki, é um poeta e escritor angolano nascido em Luanda. estudou em Lisboa onde se licenciou em sociologia,