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A imortalidade

Milan Kundera

“A armadilha do ódio é que ele nos prende muito intimamente ao adversário.”

“A solidão: doce ausência de olhares.”

“Em todo lugar existe um olho.”

“Quanto mais o homem se torna indiferente à política, aos interesses do outro, mais ele fica obcecado por seu próprio rosto.”

“Pode ser que seja necessário que a morte exista.”

“Quando alguém, com orgulho e ostentação, proclama sua filiação à nova geração, sabemos bem o que ele quer dizer: quer dizer que ainda estará vivo quando os outros (…) estarão mortos e enterrados.”

“Sonha-se com a imortalidade desde a infância.”

“Como a realidade, hoje, é um continente que pouco visitamos, e que justificadamente não amamos, a sondagem tornou-se uma espécie de realidade superior; ou em outras palavras, tornou-se a verdade.”

“nossa própria imagem é para nós o maior mistério.”

“Ah, em amor é preciso tão pouco para que fiquemos desesperados!”

“Enrolou-se na bandeira de Rimbaud como nos enolamos sob uma bandeira, como aderimos a um partido político, como se torce por um clube de futebol.”

“A glória acrescenta a tudo que nos acontece um eco cem vezes maior.”

“… o poder daquele que fica na pebumbra.”

“Quando o sofrimento é muito agudo, o mundo desaparece e cada um de nós fica só consigo mesmo. O sofrimento é a Grande Escola do egocentrismo.”

“… a alma hipertrofiada.”

“A preocupação com a própria imagem, essa é a incorrigível imaturidade do homem.”

“Mesmo depois da morte, foi difícil para mim resignar-me a não ser mais.”

“…saborear a volúpia do não ser total.”

“Feiura: caprichosa poesia do acaso. (…) Beleza: prosaísmo da média exata. Na beleza, mais ainda que na feiura, manifesta-se o caráter não individual, pão pessoal do rosto.”

“…o mundo onde não existem rostos.”

“Mas a maior parte das pessoas não conheceu o amor…”

“O que é insustentável na vida não é ser, mas sim ser seu eu. (…) Inês participava desse ser elementar que se manifesta na voz do tempo que corre e no azul do céu; agora sabia que não há nada mais belo.”

“Viver, não existe nisso nenhuma felicidade. Viver: carregar pelo mundo seu eu doloroso. Mas ser, ser é felicidade. Ser: transformar-se em fonte, bacia de pedra na qual o universo cai como uma chuva morna.”

pág. 301

VENTRIPOTENTE: que gosta muito de comer, que tem a barriga grande.


Milan Kundera 🇸🇰 (1929 -) é um escritor tcheco, naturalizado francês. Autor de importantes obras, como A Brincadeira (1967), O Livro do Riso e do Esquecimento (1979) e A Insustentável Leveza do Ser (1984), que o levaram a se tornar um dos mais consagrados escritores do século XX. Ao longo dos anos 50, Kundera trabalhou como tradutor, escreveu poemas, ensaios e peças de teatro. Seus primeiros trabalhos poéticos foram pró-comunistas. Milan Kundera recebeu diversos prêmios.

A ignorância

Milan Kundera

Irena reencontra Josef por acaso no aeroporto de Paris. Ambos viajam de volta a Praga, reerguida segundo as regras capitalistas depois da queda dos regimes comunistas do Leste Europeu, em 1989. Em comum, eles têm uma história de exílio e um sentimento profundamente nostálgico em relação à paisagem tcheca.Neste romance sobre a memória, Milan Kundera subverte a noção de nostalgia. O escritor relembra a etimologia da palavra, que em sua origem grega remete ao “sofrimento causado pelo desejo irrealizado de retornar”. Esse sentimento liga-se também à ignorância: só há nostalgia daquilo de que não temos mais notícia. Como afirma o narrador, “acaso” é um outro modo de dizer “destino”. O fascínio que as coincidências e os pequenos retornos exercem é aquele da consciência do presente e de sua ligação com o passado. Na memória, os acasos se harmonizam e ganham beleza.

Em grego, retorno se diz nóstos. Álgos significa sofrimento. A nostalgia é, portanto, o sofrimento causado pelo desejo irrealizado de retornar. Para essa noção fundamental, a maioria dos europeus pode utilizar uma palavra de origem grega, e também outras com raízes em sua língua nacional: añoranza, dizem os espanhóis; saudade, dizem os portugueses. Em cada língua, essas palavras possuem uma conotação semântica diferente. Muitas vezes significam apenas a tristeza provocada pela impossibilidade da volta ao país, nostalgia do país, da terra natal. Aquilo que em inglês se chama homesickness; ou em alemão: Heimweh. Mas essa é uma redução espacial dessa grande noção. Uma das mais antigas línguas europeias, o islandês, distingue bem dois termos: söknudur: nostalgia no seu sentido geral; e heimfra: nostalgia do país. Os tchecos, têm seu próprio substantivo, stesk, e seu próprio verbo; a frase de amor mais comovente em tcheco: styska se mi po tobe: sinto nostalgia de você; não posso suportar a dor da sua ausência. Em espanhol, añoranza vem do verbo añorar (ter nostalgia), que vem do catalão enyorar, derivado, este, da palavra latina ignorare (ignorar). À luz dessa etimologia, a nostalgia surge como o sofrimento da ignorância. Você está longe e não sei o que se passa com você. Meu país está longe, eu não sei o que está acontecendo lá. Certas línguas têm algumas dificuldades com a nostalgia: os franceses só podem expressá-la pelo substantivo de origem grega e não possuem um verbo; podem dizer: je m’ennuie de toi, mas a palavra s’ennuyer é fraca, fria, em todo caso muito leve para um sentimento tão grave. Os alemães utilizam raramente a palavra nostalgia na sua forma grega e preferem dizer Sehnsucht: desejo daquilo que está ausente. Mas a palavra Sehnsucht pode se referir tanto àquilo que foi como àquilo que nunca existiu e não implica necessariamente a ideia de um nóstos.

 


Milan Kundera 🇸🇰 (1929 -) é um escritor tcheco, naturalizado francês. Autor de importantes obras, como A Brincadeira (1967), O Livro do Riso e do Esquecimento (1979) e A Insustentável Leveza do Ser (1984), que o levaram a se tornar um dos mais consagrados escritores do século XX. Ao longo dos anos 50, Kundera trabalhou como tradutor, escreveu poemas, ensaios e peças de teatro. Seus primeiros trabalhos poéticos foram pró-comunistas. Milan Kundera recebeu diversos prêmios.

A Festa da Insignificância

Milan Kundera

Depois de mais de uma década sem publicar nada, em 2013, Milan Kundera nos surpreendeu com um novo romance. Aclamado pela crítica, o novo livro despertou grande interesse nos leitores na França, onde logo figurou entre os best-sellers. O título, por si só, já chama a atenção, mas estamos falando de Kundera, um escritor elegante e complexo. Espera-se que a leitura gere diversos pensamentos e nos leve a outras leituras. Mas neste caso, acho que um mínimo de contexto é necessário. Vi muitas pessoas acharem o livro difícil. Outras, talvez levadas pela fama do autor, já se declararam fãs da genialidade dele e tal. Mas a verdade é que este é livrinho peso pesado, exige neurônios.

A festa da insignificância é uma trama curta, porém espirituosa, que se ambienta na Paris atual. Nela, Kundera nos convida a refletir sobre a banalidade de vida e o quanto nos apegamos às coisas sem significância.

A tradução para o português brasileiro é de Teresa Bulhões Carvalho da Fonseca e a edição de capa-dura é da Companhia das Letras, a editora que publica Kundera no Brasil há muitos anos.

“Nós compreendemos há muito tempo que não era mais possível mudar este mundo, nem remodelá-lo, nem impedir sua infeliz trajetória para a frente. Havia uma única resistência possível: não levá-lo a sério.”

A obra coloca em cena amigos parisienses (D’Argelo, Alain, Ramon, Calibã e Charles) que vivem uma existência esvaziada de sentido. Outros personagens (Mariana, a empregada portuguesa; madame La Franck; Julie; Kalinin) se entrelaçam ao aparente nonsense e, mais uma vez, Kundera explora as histórias, permeando-as com filosofia e história. Há referências a Kant, Schopenhauer, Stálin…

Os personagens passeiam pelos Jardins de Luxemburgo, vão a uma festa, observam que as novas gerações não sabem quem era Stálin, e se perguntam o que está por trás de uma sociedade que coloca o umbigo no centro do erotismo.

“As pessoas se encontram na vida, conversam, discutem, brigam sem perceber que se dirigem uns aos outros de longe, cada um de um observatório situado num lugar diferente no tempo”

Para Schopenhauer, o mundo é apenas representação e vontade. Por detrás do mundo tal como o vemos não existe nada de objetivo, e que, para fazer existir essa representação, para torná-la real, deve haver nela uma vontade; uma vontade enorme que a imponha. Stálin declara que impôs a vontade de todos a uma única vontade, a sua.

“Já muitos anos antes, ele tinha começado a detestar aniversários. Por causa dos números que se colavam neles. No entanto, não conseguia esnobá-los, pois a felicidade de ser festejado superava nele a vergonha de envelhecer”

A obra é dividida em sete partes e os personagens são apresentados individualmente, e logo percebemos que todos fazem parte de um mesmo grupo. Alain é apresentado como um homem assombrado pela imagem da mãe, que o abandonou quando pequeno. Para ele, o erotismo do mundo se concentra no umbigo. E por consequência, a vida se resume ao umbigo, pois este é um detalhe que iguala todos os humanos, remete às origens, ainda que absolutamente inútil.

“Somente das alturas do infinito bom humor é que você pode observar abaixo de si a eterna tolice dos homens e rir dela.”

Ramon ensaia visitar uma exposição do Chagall, mas sempre desiste por causa da fila. Ele é convidado por D’Argelo para ir à sua festa de aniversário e vai apenas por compaixão, porque acredita que seu amigo está muito doente.

“(…) falar sem chamar a atenção não é fácil.
Estar sempre presente com sua palavra e no entanto,
continuar não sendo ouvido, isso exige virtuosismo (…)”

Calibã, cujo apelido vem de um personagem de Shakespeare, é um ator frustrado que se passa por garçon, inventando sua própria língua para que as pessoas o achem mais interessante.

“… o sentimento de inutilidade de sua língua trabalhosamente inventada e a melancolia começou a invadi-lo.”

Os personagens se preparam para ir à festa de D’Argelo e há um grande desânimo geral. Kundera mostra que não apenas essa festa é insignificante, como também a festa como metáfora da vida. A festa da insignificância fala da indiferença.

Kundera se desfaz em sarcasmo para denunciar a hipocrisia social, a elevação da tristeza, da solidão e da falsa doença para causar simpatia ou compaixão. E, ainda assim, tudo isso é vão. Por isso, o único personagem que passa pelo livro e é visto como bem sucedido é Quaquelique, que me remete ao homem “qualquer”, que consegue as coisas justamente por não chamar atenção ou expressar opinião relevante. Ele é o medíocre que vence na vida por evitar conflitos e se manter no senso comum. Sendo assim, o triste sentido da vida mostrado pelo autor é que ela é totalmente insignificante.

“Se sentir ou não se sentir culpado.
Acho que tudo depende disso.
A vida é uma luta de todos contra todos.”

Na forma de uma fuga com variações sobre um mesmo tema, Kundera transita com naturalidade entre a Paris de hoje em dia e a União Soviética de ontem, propondo um paralelo entre essas duas épocas. Assim o romance tematiza o pior da civilização e lança luz sobre os problemas mais sérios com muito bom humor e ironia, abraçando a insignificância da existência humana.

“Sabe, não tem nada pior que o tédio.
É por isso que mudo de companhia.
Sem isso, não existe bom humor!”

Mas será insignificante, a insignificância? Kundera responde a essa questão: “A insignificância, meu amigo, é a essência da existência. Ela está conosco em toda parte e sempre. Ela está presente mesmo ali onde ninguém quer vê-la: nos horrores, nas lutas sangrentas, nas piores desgraças. Isso exige muitas vezes coragem para reconhecê-la em condições tão dramáticas e para chamá-la pelo nome. Mas não se trata apenas de reconhecê-la, é preciso amar a insignificância, é preciso aprender a amá-la”.


Milan Kundera 🇸🇰 (1929 -) é um escritor tcheco, naturalizado francês. Autor de importantes obras, como A Brincadeira (1967), O Livro do Riso e do Esquecimento (1979) e A Insustentável Leveza do Ser (1984), que o levaram a se tornar um dos mais consagrados escritores do século XX. Ao longo dos anos 50, Kundera trabalhou como tradutor, escreveu poemas, ensaios e peças de teatro. Seus primeiros trabalhos poéticos foram pró-comunistas. Milan Kundera recebeu diversos prêmios.