O título de falsa sedução vem de uma fala que Bernardo Kucinski ouviu em 2013, em uma sessão da Comissão da Verdade. Você vai voltar pra mim traz 28 contos curtos sobre a ditadura militar e a repressão. Publicado em papel arquivo em 2014 pela Cosac & Naify, em conjunto com o relançamento de seu romance de maior alcance K., e em função da efeméride dos cinquenta anos do golpe militar no Brasil, a obra dá continuidade à temática do autor. O diferencial deste livro é que, diferente de alguns autores que trabalham a temática atualmente e que precisam fazer pesquisa para compreender o período em questão, Kucinski viveu a realidade da época, assim como também foi jornalista, professor e pesquisador da ditadura, possuindo vasta bibliografia ficcional e teórica.

Prêmio Literário Biblioteca Nacional na categoria contos (Prêmio Clarice Lispector) 2014.

“O que me comove é que, quando você pega histórias individuais, é sempre muito chocante“, diz Kucinski.


  1. A beata Vavá – a força da religião e do mistério como única salvação; rompimento da hierarquia da eficiência sistemática e da razão; uso do “ocultismo” para causar efeito
  2. A negra Zuleika – vitimização por racismo e submissão; injustiça.
  3. Terapia de Família – sucessão de traumas, incomunicabilidade, desesperança, descrença, loucura
  4. O jogo de chá – a decadência atual associada a um período de porcelanas do passado; o preconceito com o alcoolismo, com a grosseria de modo geral, a indicar um refinamento não de todo perdido; o aparelho de chá como relíquia de um tempo que não
    volta e nem deve voltar porque não se resolveu.
  5. Sobre a natureza do homem – o vazio quando se descobre que “a luta” fora apenas um subterfúgio de sobrevivência; a filosofia instrumentando o discurso do conto; a informação que chega sem emoção, mas com detalhe, com conclusão.
  6. O velório – a simbologia do encerramento de uma história doída, interminada, desconhecida, de uma ilusão voluntária e coletiva
  7. Joana – o amor como fio condutor de uma esperança desmedida, como motor da loucura
  8. A visita do inspetor-geral – a crença na intervenção, na importância de anos de serviço, influencia, insistência, para descobrir que não se muda certas naturezas
  9. Você vai voltar pra mim – no título de falsa sedução, encontramos também a infantilização, ideia da pressão sem fim, do horror de não ter voz, nem ferimentos suficientes que possam acabar com aquele sofrimento.
  10. A troca – cobrança ideológica na produção artística, inversão das expectativas
  11. Heliodora – outras formas de traição, de loucura, de dissidência
  12. A entrevista – novamente a necessidade de pontuar a morte, de esclarecer os afetos, contabilizar as relações, principalmente as familiares.
  13. Pais e filhos – falsa crença na instituição; tirocínio; o silêncio falando os sentimentos,  “a ignorância é que nos pacifica”(VHM), as permissões e rebeldias, como termômetro do respeito, do limite.
  14. A suspeita – talvez o meu meu conto preferido até o momento porque conseguiu condensar o mistério, o terror, a loucura, o coletivo, e principalmente a questão do estranho trazida para dentro do lado oprimido. Em um simples diálogo entre membros desconhecidos sobre o problema da culpa, culpa-se a época. O caso não é bem explicado, pegamos pelo que ouvimos, e não ouvimos tudo. Não há desenlace. A suspeita continua.
  15. Kadish para um dirigente comunista – novamente a questão da fé é posta em análise, mas o que fica evidente neste conto é a tentativa de “dar sentido”, dando continuidade a uma luta que estruturou toda a vida de Alberto. A necessidade de resistir até contra o desconhecido, de trazer a dúvida, mas como forma de força.
  16. Um homem muito alto – preso dentro do próprio corpo, dentro da condição de destaque que a vida aleatoriamente lhe impôs.
  17. Recordações do Casarão – o conto nos dá uma brecha por onde podemos ver como era a vida dentro das casas da resistência, mas pelo olhar do homem comum, o que vê as pessoas antes de tudo,
  18. Os gaúchos – “alguma coisa está errada”, diz o personagem principal, mas aparentemente tudo está errado na família Saraiva de Carvalho, como se a ordem as coisas estivesse invertida, mexida na macheza das relações
  19. A mãe rezadeira – a reza se renovando a cada estágio, a cada novo inimigo do filho; este conto parece se relacionar a outro
  20. A instalação – o horror de reconhecer a resignificação de um objeto de tortura, de seus traumas… a explicação de como sua família se dividiu, como se desencontrou e perdeu o sentido
  21. O garoto de Liverpool – visão abrandada de fora, a brutalidade do sistema que não era capaz de distinguir ninguém, das aparências e suas consequências, da lição
  22. História de uma gagueira – novamente a repressão política que se reflete na família, no próprio campo rural e gera sequelas, marcas que testemunham esse abuso, esse cerceamento de liberdades ainda na infância, a visão européia do regime, em especial o salazariano, e a questão do patriotismo ferido
  23. A lista – o personagem Jacó nos leva para a luta sindical, para o drama profissional de uma classe que não pode reclamar dos abusos que sofre, e em meio a tantos questionamentos ainda temos o aspecto religioso e o preconceito que parte da instituição, ou seja, de um coletivo, contra o indivíduo e suas escolhas íntimas.
  24. A sandinista – ingratidão, depois de dois anos pagando o jantar e admirando a moça mais durona que se tornaria ministra da habitação, esta não quis ou não pode, fato é que não foi cumprimentar o professor de anos de exílio. (Sandinismo é um movimento político nicaraguense pertencente ao espectro ideológico de esquerda, com tendência socialista, anti-imperialista e nacionalista, que promove a integração da América Latina. Baseia-se na ideologia de Augusto César Sandino, o chamado general de hombres libres, que leva seu nome. Os apoiantes e simpatizantes desse movimento são chamados de sandinistas.)
  25. Cenas de um sequestro – três cenas de três diferentes pontos de vista nos fazem entender a crueldade em que a família “subversiva” é submetida
  26. O filósofo e o comissário este conto parece mostrar, como alguns outros, inclusive, que o partido só reconhecia os erros e os punia também, claro; mas os acertos pouco eram notados, ainda que valessem muito para o movimento de resistência; ironia
  27. Tio Andréafastamento, pelas perguntas infantis vamos conhecendo a história do tio e da família, da opção que o tio tomou ao se isolar, ao dar espaço para os traumas da tortura que jamais revelou se agigantassem em seu ser
  28. Dr. Carlão a reviravolta dos cargos e posições, as mensagens secretas, o sigilo quebrado ao acaso, quando não existem acasos inocentes,

– É curioso como um mesmo espaço pode ser palco de situações tão diferentes, conforme o momento histórico.”