Logo vi que o livro A Morte do Pai inaugurava uma obra grandiosa, best-seller na Noruega e fenômeno internacional, a série Minha Luta. Karl Ove Knausgård é o autor-rockstar por trás dessa série de seis romances autobiográficos. Cheguei até ele devido ao título. A capa também chamou minha atenção. A ideia de uma casinha vermelha isolada, um céu em iminente tormenta. Oscilando entre criação e memória, o autor explora as possibilidades da ficção contemporânea. Um livro de um escritor que narra  própria vida detalhadamente. Dá para perceber claramente que é um autor nórdico, há uma frieza muito característica. De vez em quando a literatura ocidental dá audiência para obras autobiográficas, não sem questionar o próprio fundamento literário. Muito se falou em autoficção. Karl Ove expõe escândalos familiares e vai direto à revelação de segredos. O que importa, no fim, é a forma de sua obra, é dela que nasce sua ficção. Ao embarcar numa investigação proustiana e aparentemente incansável, o autor busca reconstruir a trajetória do pai, uma figura insondável que vai à ruína, tornando-se um alcoólatra.

“Tudo deve se sujeitar à forma.
Se qualquer um dos outros elementos literários
for mais forte que a forma, como o estilo, a trama, o tema,
se algum deles prevalecer sobre a forma,
o resultado será insatisfatório”

Com a avó senil, também já dependente do álcool, ele e o irmão tentam dar praticidade à difícil tarefa de dar alguma dignidade aquele lar em luto. Em meio a tudo isso, somos levados a conhecer a juventude do autor. Uma noite de ano-novo e rebeldia, regada a cervejas proibidas, um amasso na primeira namorada, um show fracassado com a banda em um shopping. Em meio a eventos comum da vida de um adolescente, Karl Ove nos explica as estruturas de sua família e sua relação com a morte.

“Escrever é retirar da sombra a essência do que sabemos.
É disso que a escrita se ocupa.”

O conflito se dá no fato dos irmãos arrumarem a casa destruída pelo pai que morrera. O simbolismo da ordem e da limpeza é óbvio, uma forma de  liquidar do espaço físico e da memória, quaisquer resquícios da decadência familiar.

“Sentimentos são como água, sempre adquirem a forma do meio que os circunda”

Honesto e sensível, com uma escrita bastante elegante, embora simples, Karl Ove investiga também sua vida atual, aos 39 anos, pai de quatro filhos, ele tenta se ajustar à rotina, enquanto tenta escrever seu novo romance, em uma luta diária. O título original é Min Kamp 1, a tradução é de Leonardo Pinto Silva, selo  da Companhia das Letras.