🎨 Arte Visual

Les Etoiles

Grandville

J. J. Grandville é claramente um artista da era romântica francesa. Sua litografia “Métamorphoses dans le sommeil” e a série de ilustrações “Les Fleurs Animées”, nas quais as flores são retratadas como donzelas, são exemplos. Sua série “Les Etoiles” de 1849, das publicações de G de Gonet Editeur, é das que mais me fascinam. Afinal, a noite é muito mais romântica que o dia. As estrelas são mais misteriosas que o sol. E na maravilhosa imaginação romântica que beira o surrealismo de Grandville, as estrelas novamente são personificadas como belas criaturas celestiais, vestidas com a moda da época. Os detalhes das estrelinhas em tons pasteis são iluminados e celebrativos.


“One day, though it might as well be someday
You and I will rise up all the way
All because of what you are
The prettiest star…”

David Bowie
(The Prettiest Star)


“L’Étoile Filante” de J. J. Grandville é a ilustração que escolhi para a capa deste post, mostra dois amantes sentados em algum prado, à noite e no céu eles testemunham uma estrela cadente, que aparece por um momento, de modo intensamente brilhante e forte no céu noturno e depois desaparece em uma explosão de beleza. Brilhos verdinhos, lilases, castanhos… E é tão raro ver uma estrela cadente que ninguém se esquece do momento em que a viu, nem a pessoa com quem estava. Os longos cabelos da personificação da estrela lembra  o véu da noite e acompanham a camisola lisa.


“L’Étoile du Matin” de J. J. Grandville mostra a estrela da manhã personificada como uma mulher em um vestido da década de 1840 e uma capa preta curta. Cabelos macios dançam ao redor do rosto pálido e estrelas coloridas e brilhantes dançam acima de seu vestido e capa de uma forma descolada. Ela desliza pelo céu noturno em uma embarcação de nuvens subservientes. Ela parece uma deusa. Tão suave quanto as nuvens, inatingível, fugaz, pois anuncia um novo dia e a derrocada da noite… por um tempo. Do chão, ela é observada por camponeses e um galo curioso, retratado em cores, para provar sua importância.


 

“L´Étoile du Berger” de J. J. Grandville é uma estrela personificada como uma mulher muito elegante; seu cabelo é adornado com muitas, muitas estrelas e a estrela que ela usa como capacete é ainda mais grandiosa. Em contraste com o traje da moda, seus olhos parecem bêbados, ou pelo menos ela parece uma espécie de névoa; do amor, drogas ou alegria, quem sabe. Ela está sendo vigiada por pastores, um cachorro e algumas ovelhas. Quão mágica e etérea ela é comparada à vida pesada, séria e aborrecida lá embaixo.


 

“L’Étoile du Soir” de J. J. Grandville tem um clima mais  gótico. A ilustração mostra a estrela personificada como uma moça na varanda, não da torre de um castelo, mas de uma nuvem e olhando para a noite. Ela deveria se olhar no espelho, pois nada é tão lindo quanto a própria estrela da tarde! Há raios de poeira estelar dourada brilhando ao redor de sua cabeça e podemos ver a lua ao longe atrás dela. Na parte inferior da ilustração, na terra, há um castelo sombrio e isolado e morcegos voando de maneira ameaçadora. E, no entanto, a aura em torno da escada noturna é tão serena e pura que nem a escuridão do castelo ou a ameaça dos morcegos apagam a magia da estrela.


Jean Ignace Isidore Gérard 🇫🇷 (1803 –1847) foi um prolífico ilustrador e caricaturista francês que publicou sob o pseudônimo de Grandville e numerosas variações. Críticos o chamaram de “a primeira estrela da grande era da caricatura francesa”, e descreveram suas ilustrações como “elementos do simbólico, onírico e incongruente”, mantendo um senso de comentário social, e “a mais estranha e perniciosa transfiguração da forma humana já produzida pela imaginação romântica”. Os vegetais antropomórficos e as figuras zoomórficas que povoaram seus desenhos anteciparam o trabalho de gerações de ilustradores.

Diário da Prisão

Egon Schiele

Em 1912, preso ao 21 anos, Egon Schiele descreve nestes diários a sua agonia, refletindo sobre a condição do artista como criador eterno, sempre em colisão com o poder vigente. A tradução é de Rui Sousa e composição gráfica de Catarina Domingues, edição de março de 2024, da edições Sr Teste.

Desta tiragem a editora fez uma edição especial de 30 exemplares com 3 peças de um puzzle da pintura: “O meu caminho errante conduz aos abismos” dentro de envelope com frase. O puzzle está incompleto porque acompanha este diário: faltam peças à liberdade. Esta encontra-se fracturada. Teremos a coragem de criar as peças em falta?

Não me sinto punido, mas purificado.


Egon Schiele 🇦🇹 (1890-1918)  foi um pintor austríaco ligado ao movimento expressionista. Um protegido de Gustav Klimt, foi um pintor importante do início do século XX. Seu trabalho é célebre por sua intensidade e sua sexualidade crua, e pelos muitos autorretratos que produziu, incluindo autorretratos nus.

cor de afogamento

Emil M. Cioran

Todas as águas são cor de afogamento.

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In: CIORAN, Syllogismes de l’Amertume(1952),
Silogismos da Amargura
, tradução de Manuel de Freitas, ed. Letra Livre (2009)

A Chalupa, Amadeo de Souza-Cardoso | O prazer das cores intensas, capazes de emprestarem expressividade às obras. De Henri Rousseau, da geração francesa anterior à dos dois Amadeus, o pintor português absorve a paixão por temas naturalistas, de realidades simples e que progressivamente o aproximaram do abstracionismo. No seu programa ideológico, Amadeo juntou estas duas influências em vários trabalhos sobre o mar e os Descobrimentos Portugueses. As embarcações perdem-se na imensidão dos oceanos, metáfora de vários períodos da vida do artista amarantino. Em “A Chalupa”, as vagas transformam-se em montanhas azuis que tudo consomem.


Emil M. Cioran 🇷🇴 (1911 — 1995) foi um escritor e filósofo romeno radicado na França. Em 1949, ao publicar “précis de decomposition”, passa a assinar E.M. Cioran, influenciado por E.M. Forster — esse “M” não tem nenhuma relação com outros nomes do filósofo (como Michel, Mihai, etc.) Um dos melhores conhecedores da obra de Cioran é o filósofo espanhol Fernando Savater, um de seus mais importante livros adentrando no pensamento de Cioran é Ensayo Sobre Cioran, de 1974. Ambos eram próximos e o livro termina numa entrevista com o filósofo romeno, mostrando um pouco de seu lado pessoal. Principais interesses: antinatalismo, misantropia, suicídio. Trabalhos notáveis: Breviário de Decomposição, Silogismos da Amargura, Exercícios de Admiração.


Amadeo de Souza-Cardoso 🇵🇹(1887-1918) primeira geração de pintores modernistas portugueses, destaca-se pelo diálogo que estabeleceu com as vanguardas históricas do início do século XX. O artista desenvolveu, entre Paris e Manhufe, a mais séria possibilidade de arte moderna em Portugal num diálogo internacional, intenso mas pouco conhecido, com os artistas do seu tempo. Articula-se de modo aberto com movimentos como o cubismo o futurismo ou o expressionismo, atingindo em muitos momentos, um nível em tudo equiparável à produção de topo da arte internacional sua contemporânea.