“O que há de horrendo, nesta vida, é que nada foge à caricatura,
nem a própria Divindade!”

Teixeira de Pascoaes
In: A Saudade e o Saudosismo. Lisboa, Assírio & Alvim, 1988, p.221

Numa visita ao Museu do Prado, em Madrid, Amadeo ficou impressionado com Los Borrachos, óleo de Diego Velázquez, pintado entre 1626 e 1628. Em farras com os amigos de Paris, o pintor (que mostrou sempre uma veia teatral) encenou uma reconstituição do quadro, em 1908. Amadeo posa como Baco. Pedro Cruz ajoelha-se perante a divindade. Domingos Rebelo representa de tronco nu o lado divino, ao passo que cabe a Emmérico Nunes e Manuel Bentes o papel de replicar os dois bêbedos à direita de Amadeo.

 

A caricatura tem a sua origem na tragédia mais íntima da Vida.
Foi Deus que a inventou, a fim de quebrar a infinita monotonia da Identidade originária, do Mesmo, esse deserto sem limites. Quando os Outros pulularam do Mesmo, logo se fez aquele riso de ironia que vai do sorriso discreto das estrelas à gargalhada olímpica do Sol.

Teixeira de Pascoaes
In: A Saudade e o Saudosismo. Lisboa, Assírio & Alvim, 1988, p.182


Teixeira de Pascoaes 🇵🇹(1877-1952), pseudônimo de Joaquim Pereira Teixeira de Vasconcelos, nascido em Amarante, foi um poeta, escritor e filósofo português e um dos principais representantes da Renascença e do Saudosismo. De família da aristocracia rural, foi uma criança introvertida e sensível, propensa à contemplação nostálgica. Em 1901 se forma em Direito pela Universidade de Coimbra, mas não participa da boemia coimbrã, passando o seu tempo, monasticamente, no quarto, a ler, a escrever e a refletir. Teve muitos contatos no exterior e foi um bibliografista notável. Publicou, entre outros, O Doido e a Morte (1913), Elegia da Solidão (1920), Versos Pobres (1949). 


Amadeo de Souza-Cardoso 🇵🇹(1887-1918) primeira geração de pintores modernistas portugueses, destaca-se pelo diálogo que estabeleceu com as vanguardas históricas do início do século XX. O artista desenvolveu, entre Paris e Manhufe, a mais séria possibilidade de arte moderna em Portugal num diálogo internacional, intenso mas pouco conhecido, com os artistas do seu tempo. Articula-se de modo aberto com movimentos como o cubismo o futurismo ou o expressionismo, atingindo em muitos momentos, um nível em tudo equiparável à produção de topo da arte internacional sua contemporânea.


Emmérico Nunes 🇵🇹(1888 – 1968) de ascendência portuguesa e alemã, sua vida e obra são fortemente marcadas pela sua condição de artista entre duas pátrias. Um dos caricaturistas que maior fama europeia alcançou, e sobre o qual pesa hoje um imerecido esquecimento, ilustra o que a língua latina resume em duas palavras: Fama? Fumus. Com uma vastíssima obra gráfica, dispersa por jornais, revistas, magazines e publicações infantis, distinguiu-se como humorístico, caricaturista e ilustrador. À imaginação hilariante seus cartoons políticos, as suas galerias de retratos e de tipos sociais, de grande força plástica e graça endiabrada.