20000000 (sufi)

Se a palavra que vais dizer
Não é mais bela que o silêncio
Não a digas

Se a palavra que vais

Dizer não é mais
Bela que o silêncio

Se a palavra dizer que vais
Não é mais bela que
Silêncio

Se a palavra
Não é mais bela
Silêncio

Se a que vais dizer
Não é palavra
Mais do que o silêncio

Não a digas bela
Se mais que silêncio
Não é palavra

Se a palavra

Não é mais
Que silêncio

Se o silêncio
Não é mais

Que palavra

Que palavra?
Que silêncio?

In: Jorge Lourenço, Cutucando a Musa com verso longo e curto e outras coisas leves e pesadas, Relógio d’Água, 2009


20080410
Musa língua é o que é
Cavalo marinho arborescente
Algibeira virando bolso
Língua de palmo, amiga da onça
Nuínha, sem agás
Pé de meia, língua de vaca
Sodades só do trema, nada
Não, atacador sem laço, ó cedilha
Há-de haver a tua vez.
A musa é eu?

Jorge Fazenda Lourenço, in Cutucando a Musa com verso longo e curto e outras coisas leves e pesadas, Relógio d’Água, 2009


Jorge Fazenda Lourenço (Covilhã, 1955), poeta, é professor na Universidade Católica Portuguesa, em Lisboa. Obteve, em 1993, o Ph.D. em Hispanic Languages and Literatures, na Universidade da Califórnia, em Santa Barbara, com uma dissertação sobre a poesia de Jorge de Sena, de cuja obra é co-editor. Sua atividade como pesquisador tem-se centrado na literatura dos séculos XIX e XX, no estudo do Bildungsroman e nas questões da modernidade estética, tendo traduzido poesia de E. E. Cummings, Wallace Stevens, Giuseppe Ungaretti, Salvatore Quasimodo, Eugenio Montale, Mario Luzi e Charles Baudelaire, de quem organizou uma antologia de crítica e ensaio.