Este deve ser o livro mais “deprê-erótico” do Murakami e também um dos mais delicados que já li nesse estilo. Lançado em 1987, trouxe muita, mas muita, fama para o autor. Dizem até que no Japão “todo mundo” já leu este livro. Eu comprei a versão em inglês na Livraria Cultura, mas quando peguei o pocket book em mãos, não sabia que era uma pocket bomb sobre juventude e suicídio. Achei que teria algo a ver com a Noruega… Santa ignorância! E olha que eu já conhecia a música dos Beatles, já havia inclusive lido sobre ela em algum outro livro recente, mas a verdade é que foi uma leitura surpresa e bem triste. Mal comecei a ler e logo percebi que o livro também falava de um amor cheio de solidão.

A história é realista e tudo começa quando o protagonista Toru Watanabe ouve, dentro de um avião que acabara de pousar, a música Norwegian Wood dos Beatles, que o faz lembrar de seu passado em meio à uma profusão de sentimentos inesperados.

Cerca de dezoito anos antes, em 1968, Toru Watanabe chega a Tóquio para seus estudos universitários. Ele passa a morar em um alojamento estudantil só de homens, dividindo o quarto com um estudante de Geografia cheio de manias de limpeza e organização. Solitário, Toru dedica seu tempo à leitura, à eventuais saídas com o amigo popular e rico (Nagasawa), e trabalha algumas noites em uma loja de discos. Até que um dia, Toru reencontra um rosto de seu passado: Naoko, a antiga namorada de seu grande e único amigo de adolescência, Kizuki, que se suicidou há pouco tempo. Marcados por essa tragédia em comum, os dois se aproximam e constroem uma silenciosa e intensa relação onde a fragilidade psicológica de Naoko se torna cada vez maior. Toru é forçado a um processo de auto-conhecimento.

“Acabei de fazer vinte anos.
E tenho de pagar o preço de continuar vivendo.”

Internada num sanatório nas montanhas, Naoko escreve convidando Toru a visitá-la. Ao chegar no local, Toru encontra a jovem senhora Reiko, uma paciente que vive ali já há sete anos e é professora de música, companheira de quarto e amiga de Naoko. Especialmente cuidadosa com a saúde e bem-estar de Naoko, se preocupando em explicar a Toru os problemas enfrentados pelos pacientes que ali estavam, inclusive os dela própria, Reiko logo ganha espaço. Algumas pessoas simplesmente não entendem a importância dessa personagem. Vi alguns comentários sobre o lesbianismo pedófilo de Reiko em que os leitores preferiam que a história se decorresse sem isso tudo.

“Somos todos imperfeitos num mundo imperfeito.”

Enquanto isso, o protagonista começa a conhecer Midori, uma garota de uma das suas aulas de Sófocles e Eurípides. Midori é muito mais aberta sexualmente, e tem ideias loucas que divertem e confundem Toru. Dividido entre a paixão por Naoko e a atração por Midori, duas garotas bem diferentes e até opostas, o protagonista passa por reflexões e angústias. Midori, que estavam não apenas à frente do seu tempo, mas também à frente do nosso tempo contemporâneo.

Há riqueza em cada gesto cotidiano. Para ilustrar a capa deste post, acabei escolhendo os pepinos por conta de uma das partes que mais gostei no livro. Quando Toru vai com Midori até o hospital onde o pai dela está recém operado de um câncer na cabeça. pepinoEm certo momento ele vê Toru comendo um pepino cru, temperado com sal e shoyu, e então pede para comer o mesmo. Toru serve o convalescente e o observa mastigar pedaços crocantes. Acho que o pepino foi um símbolo muito inusitado representando a vida, intencionalmente inserido na trama, com sua conotação sexual, que permeia toda a obra. As ereções são descritas sem qualquer inibição. O sexo oral acontece inesperadamente. As mãos e lábios são oferecidos com facilidade.

Há quem diga que em Norwegian Wood traz traços autobiográficos de Murakami, especialmente se considerarmos sua mudança para Tóquio por causa da faculdade, a desilusão com o movimento estudantil e até seu relacionamento com a mulher, que ele também conheceu nesse período. O autor nega: “Claro que não é um livro autobiográfico, minha juventude foi mais chata e menos trágica”, mas é quase impossível não se deixar levar pelo simbolismo.

Ambientado em meio à confusão política dos anos 70, outro ponto interessante é a ocidentalização dos personagens e suas atitudes: eles leem F. Scott Fitzgerald, fumam Marlboro, ouvem Beatles e dedilham bossa nova ao violão. Depois da guerra, o povo japonês se viu obrigado a se abrir ao mundo, mas eu jamais esperaria ver uma citação a Antonio Carlos Jobim em um livro de literatura japonesa assim “de graça”.

“A maioria desses universitários é uma farsa completa. Eles morrem de medo de que alguém descubra que eles não sabem alguma coisa. Todos leem os mesmos livros e todos usam as mesmas palavras…
Você chama isso de revolução?”

norwegian-wood-2010

O filme homônimo, de 2010, foi roteirizado e dirigido por Tran Anh Hung, e segue o enredo do livro com fidelidade. Em vários momentos achei o filme um pouco parado demais, delicado demais. Porém, é claro que isso foi apropriado para dar ao filme o tom da sutileza cultural japonesa. Assisti o filme logo após concluir a leitura, então estava com a história 100% fresca na memória, curti cada cena com atenção. A fotografia é linda, os atores são muito bons e bem escolhidos, houve fidelidade à obra, ou seja, tinha quase tudo o que é necessário para ser um filme ótimo. Mas achei um pouco cansativo, preciso admitir. A cena de sexo é composta por tonalidades azuis, frias, gerando uma atmosfera de estranheza a um ato marcado pelo fato de Naoko ter sido incapaz de fazer sexo com Kizuki. Rinko Kikuchi, uma atriz relativamente bem conhecida do público ocidental, participou do elenco de “Babel”, mescla bem esta fragilidade errática de Naoko com um lado mais doce da personagem.

Comparado ao livro americano também best-seller O Apanhador no Campo de Centeio de J. D. Salinger, por sua influência a toda uma geração de jovens leitores, o livro capta com maestria a angústia e o desamparo da transição da adolescência à idade adulta. Norwegian Wood é de um peso emocional quase insuportável.