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Os homens explicam tudo pra mim

Rebecca Solnit

Em seu ensaio icônico “Os Homens Explicam Tudo para Mim“, Rebecca Solnit foca seu olhar inquisitivo no tema dos direitos da mulher começando por nos contar um episódio cômico: um homem passou uma festa inteira falando de um livro que “ela deveria ler”, sem lhe dar chance de dizer que, na verdade, ela era a autora. A partir dessa situação, Rebecca vai debater o termo mansplaining, o fenômeno machista de homens assumirem que, independentemente do assunto, eles possuem mais conhecimento sobre o tema do que as mulheres, insistindo na explicação, quando muitas vezes a mulher tem mais domínio do que o próprio homem. 

Por meio dos seus melhores textos feministas, ensaios irônicos, indignados, poéticos e irrequietos, Solnit fala sobre as diferentes manifestações de violência contra a mulher, que vão desde silenciamento à agressão física, violência e morte. Os Homens Explicam Tudo para Mim é uma exploração corajosa e incisiva de problemas que uma cultura patriarcal não reconhece, necessariamente, como problemas. Com graça e energia, e numa prosa belíssima e provocativa, Rebecca Solnit demonstra que é tanto uma figura fundamental do movimento feminista atual como uma pensadora radical e generosa.

O Avesso e o Direito

Albert Camus

O Avesso e o Direito é o primeiro livro de Albert Camus, escrito quando o autor tinha apenas 22 anos. Foi publicado ainda na Argélia, em 1937, com a tiragem muito discreta de 350 exemplares. Só em 1958, quando o autor já se tinha tornado uma celebridade, é que o livro seria reeditado, desta vez em França acrescentando, em um prefácio maravilhoso, suas justificativas. E contudo, este livro impregna toda a restante obra de Camus. Estão aqui presentes o fascínio da luz e da felicidade, as primeiras suspeitas do absurdo (“toda a absurda simplicidade do mundo”), os temas do silêncio, da mãe, da indiferença mas também do amor, que irão perpassar ao longo de todos os seus outros livros, e também de muitas das suas reflexões.

Sobre O Avesso e o Direito Camus afirma haver uma certa imaturidade na obra, mas também declara que “Há mais amor verdadeiro nestas páginas do que em todas as que se seguiram”. Esta não é só a obra inicial de Camus, é princípio e fim em si mesma, pois o autor já revela aqui sua visão de mundo e sobre si mesmo.

“Não há amor de viver sem desespero de viver”

Camus é profundo em sua simplicidade. Os 5 ensaios literários que compõem o livro nos apresentam as principais temáticas camusianas: a solidão, a paixão pelo clima mediterrâneo, a reflexão sobre a condição humana e sobre a vida e a morte e o exílio.

O primeiro ensaio intitula-se A Ironia. É uma reflexão sobre a morte e o abandono, onde o autor fala ao mesmo tempo da juventude e da velhice. Uma mulher velha e carente, que clama pela atenção de seus próximos, é trocada por uma sessão de cinema e um velho convive com jovens, vivendo a ilusão de que recuperará a juventude perdida com eles.

Entre o Sim e o Não é um ensaio de raízes autobiográficas no qual Camus volta à sua infância e fala sobre a necessidade da simplicidade. Entre a solidão e o passado, é necessário um desapego: Num certo grau de despojamento, nada mais leva a mais nada, nem a esperança nem o desespero parecem justos, e a vida inteira resume-se a uma imagem. Camus  defende que se viva com realismo e sinceridade e se os homens tornam o mundo difícil, é nossa missão restaurar a sua simplicidade original.

Em a Morte na Alma o autor trata do tema do exílio e da solidão da viagem. Em Praga, entregue a momentos de tédio e de rotina, Camus  pondera sobre o sentimento de distância e as saudades de casa. Como viver, como encontrar paz, quando tudo o que há são rostos estranhos e placas cujo significado se desconhece?

Amor pela Vida também fala sobre viagens, mas de um ponto de vista mais estético. Camus  fala de esculturas, de claustros góticos, do verde da tarde e de colinas que deslizam para o mar. Há um certo amor perdido em tudo isso; o amor que habita na arte e que também se pode encontrar na natureza. Depende da disposição da alma ser capaz de encontrá-lo, desvendá-lo e alcançá-lo.

Por fim, o ensaio que dá nome à obra. O Avesso e o Direito fala sobre uma mulher que se apega de tal modo ao seu próprio túmulo que acaba por morrer aos olhos do mundo. Nada mais comum; vivemos numa sociedade de mortos que, por orgulho ou egocentrismo, são incapazes de desviar os olhos de si mesmos para contemplar a vida. A vida é curta, e é um pecado perder tempo, diz Camus . O que conta é ser humano e simples. E acrescenta: Não há amor de viver sem desespero de viver.

Sobre a Estupidez

Robert Musil

Os sábios geralmente preferem falar sobre sabedoria e não sobre estupidez. Conseqüentemente, quando o discípulo e professor de Hegel na Universidade de Halle, Johann Ed. Erdmann, anuncia em 1866 seu tema: “Sobre a estupidez”, ele é recebido com risadas. Por quê? Uma das razões, como o próprio Erdmann admite, poderia ser que o tema da estupidez nos lembra de nossas próprias falhas… Setenta anos depois, Robert Musil retomará esse objeto de análise.

A convite de uma associação cultural e econômica de artistas, arquitetos, empresários e artesãos (Werkbund), ocorrida em Viena no início de março de 1937, Musil profere uma rápida conferência intitulada Über die Dummheit. Este ensaio sobre o tema da estupidez, considerado um dos mais importantes do autor, nasce, portanto, de uma conferência em que seu curto, mas agurto conteúdo é proferido oralmente.

Sobre a estupidez, afirma Musil, as pessoas geralmente preferem não falar, não discutir:

“O domínio violento e vergonhoso que a estupidez exerce sobre nós é revelado por muitas pessoas ao demonstrarem-se surpresas de maneira amável e conspiratória quando alguém, a quem confiam, pretende evocar esse monstro pelo nome.”

“(…) o reino da sabedoria, uma região desértica e geralmente evitada” (pág. 62)

“(…) o que denominamos estética também seja uma estupidez estética” (pág. 17)

“(…) entre a estupidez e a vaidade sempre existiu uma relação íntima” (pág. 27)

“Mas qual conceito ou conceito parcial de estupidez se pode formar quando os conceitos de inteligência e sabedoria oscilam?” (pág. 48)

“(…) mesmo nas situações de maior serenidade, a atenção, a compreensão, a memória, quase tudo que faz parte do intelecto é provavelmente dependente das características afetivas” (pág. 49)

“Não há nenhum pensamento importante que a estupidez não saiba aplicar, ela se move em todas as direções e pode vestir todas as roupas da verdade. A verdade, ao contrário, tem apenas uma roupa em qualquer ocasião, um só caminho, e sempre está em desvantagem.” (pág. 55)

“(…) não se pode negar que um comportamento não objetivo, até mesmo inadequado, pode ser com frequencia necessário, pois existe um parentesco entre objetividade e impessoalidade, subjetividade e inobjetividade (…)” (pág. 57)

“(…) as condições de vida atuais são assim tão pouco claras, tão difíceis, tão confusas que as estupidezes ocasionais do indivíduo logo podem tornar-se facilmente uma estupidez constitucional coletiva” (pág. 58)

“A verdade é que, em pessoas simples, algumas características valiosas como fidelidade, constância, pureza de sentimento e afins aparecem não misturadas, mas somente porque a concorrência das outras é fraca.” (pág. 60)

“O significado é também o contrário da estupidez e da rudeza; e a desproporção geral na qual atualmente os afetos esmagam a razão, em vez de inspirá-la, dilui o conceito de significado.” (págs. 60 e 61)

Este é o décimo volume da coleção Biblioteca Antagonista da editora Âyiné, com tradução de Simone Pereira Gonçalves.


Robert Musil (1880-1942)