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Jaroslava e seu prato

Alphonse Mucha

A primeira coisa que me chama a atenção neste retrato são os olhos da menina; concentrados, focados, sem piscar ou recuar, olhando profundamente para nossa alma. Com um olhar desse, pode-se supor que este era o retrato de uma femme fatale ou de uma feiticeira das lendas arturianas, mas na verdade o retrato mostra Jaroslava, a linda filha do artista tcheco da Art Nouveau: Alphonse Mucha, que tinha onze anos na época em que este quadro foi pintado. Ela parece ter sido uma grande poser; tal mãe, tal filha, devo dizer porque a esposa de Mucha, Maria Chytilová, era sua musa e frequentemente posava para o artista. Jaroslava estudou balet, mas decidiu seguir os passos do pai. Não apenas posou para ele, mas também o ajudou no estúdio, misturando cores para sua Epopeia Eslava e também pintando o céu estrelado na pintura “Eslavos em sua Pátria Original: Entre o Chicote Turaniano e a Espada dos Godos”. . Após a Segunda Guerra Mundial, Jaroslava até trabalhou na restauração das pinturas que haviam sido danificadas durante a guerra devido às más condições de armazenamento. Parece que o olhar determinado no retrato não é apenas uma questão estética, mas uma representação de sua personagem.

Adoro tudo neste retrato; os olhos são os que mais se destacam, mas também a pose, a forma como exibe o lindo prato com motivos florais folclóricos e a forma como o dedo mínimo repousa coquete no lábio superior. A flor amarela em seus cabelos longos faz com que ela pareça uma hippie de espírito livre e o vestido branco de manga bufante e fita vermelha, estilo camponês, combina bem com o motivo folclórico do prato de porcelana. O motivo do prato com tulipas e girassóis estilizados é simples e charmoso. O fundo azul é ecoado por traços de azul e lilás em seus cabelos. O pincel na mão dela parece dizer: sou uma musa, e também tenho outros talentos!

Poderes da Pintura

José Gil

“Estamos longe da tendência para “sair da tela” ou de a tela reproduzir a vida. Quando se dizia, classicamente, de um pintor que ele conseguia que o espectador “entrasse” nos seus quadros (como Kandinsky nas suas memórias, descrevendo o seu sentimento, na infância, de ter uma impressão tão profunda da cena pintada que lhe parecia penetrar e percorrer as ruas do quadro como se fossem reais), evocava-se tanto o poder de ser afectado do espectador como o de afectar do pintor. E supunha-se que o quadro se reduzia à imagem finita, contida dentro de limites geométricos precisos, na superfície bidimensional da tela. Raramente se considerava o “sair da tela” das forças do quadro que se desdobravam no espaço para além da área pintada. O quadro consistia naquela superfície; tudo o que a ultrapassava era da ordem da ilusão, da alucinação.”

“(…) Porque não existe um espaço pictural plano, porque a pintura projecta imediatamente as linhas e figuras no ar, para cá e para lá da tela — uma cor cria logo um volume que sai do fundo branco —, Ângelo (de Sousa) foi levado a construir um plano flutuante, próprio do desenho, que foge à superfície bidimensional.”

Ângelo César Cardoso de Sousa (Moçambique, 1938 – Porto, 2011) foi um escultor, pintor, professor e desenhador português. Autor de uma obra complexa, multifacetada, Ângelo de Sousa destaca-se como um dos artistas marcantes da segunda metade do século XX português. Ao longo das últimas décadas a sua obra foi alvo de importantes mostras individuais em alguns dos mais conceituados espaços expositivos portugueses