Existe a viagem circular, a do regresso ao lugar de origem descrita na Odisseia. Mas existe também a viagem sem regresso, a odisseia retilínea e sem Ítaca que transforma um indivíduo que já não regressa a casa. Neste segundo registo deve incluir-se a original modalidade da viagem vertical, que é aquela que empreende o protagonista deste romance, no plano geográfico e no plano vital. Um dia depois de celebrar as suas bodas de ouro, Federico Mayol, homem de negócios, aficionado de póquer e nacionalista catalão, vê-se obrigado pela sua mulher, de forma surpreendente e absurda, a deixar para sempre o domicílio conjugal. Como sempre em Vila-Matas, pululam aqui os fantasmas da velhice, da solidão e da loucura, cintilando o dilema entre a sobrevivência e o suicídio. Este é um romance atlântico — uma viagem vertical com passagens por Barcelona, Porto, Lisboa e Madeira — mas também uma história de iniciação à cultura e um clássico romance de aprendizagem, não fosse o facto de o seu protagonista ter uma idade em que, geralmente, já ninguém aprende nada. No epicentro do livro está o drama de uma geração de espanhóis que, por causa da guerra civil e dos anos de barbárie que se lhe seguiram, viu truncadas a sua formação cultural e as liberdades republicanas.

“Se o temporal de chuva e vento, esse temporal que me parece não tarda a reaparecer, arrasasse toda Barcelona, seria contudo uma catástrofe menor do que a minha vida suporta ultimamente”

“Estudou e viu exposições e çeu centenas de livros, mas a realidade me diz que jamais aprendeu nada.”

“não esquecer que ir embora não é uma desgraça, mas exatamente o contrário.”

“Desde sempre os homens têm ouvido vozes que os impelem a partir, dizendo-lhes que será por pouco tempo ou talvez para não voltar jamais.”

“(…) a única saída para sua vida era praticar tanto a arte da solidão quanto a de caminhar.”

“o que devo fazer é me preparar para aprender o que a vida realmente é quando ela se apaga e chega a hora da descida definitiva.”

“Nossa memória não é mais do que o conjunto de estilhaços de uma barca quebrada – a unidade de nosso mundo e do que se viveu.”

“Como tantas vezes na vida, há sempre um segundo drama oculto – muito mais sério do que o primeiro – escondido por trás da tragédia mais óbvia, mais visível.”

“Viajar é, sobretudo, um clima, um estar a sós, um estado discretíssimo de melancolia e solidão.”

“O homem percebia que em sua mente, fazia meses, tinha ficado aberta, poderosa, dramática, envolvente, a abóbada do horror.”

“dedicava-me exclusivamente a ler, ler muito e praticar a saudade…”

“Há alguma coisa de infantil no ato de voar, que é algo muito sério mas também com uma ponta infantil.”

“Quando você viaja com alguém, sempre tende a olhar para o que o rodeia com estranhamento, enquanto, quando viaja sozinho, o estranho é sempre você.”

“a história de sua errância portuguesa”

“Era fantástico perceber que afundava, talvez porque pela primeira vez em sua vida sabia ao menos para onde se dirigia, estava muito claro, não fazia senão ver uma imagem muito concreta de si mesmo descendo em posição radicalmente vertical para o mais absoluto vazio, a caminho do completo afundamento.”

“nada tinha importância se nos déssemos ao trabalho de olhar bem para o mundo.”

“existiam três tipos de seres humanos: os vivos, os mortos e os marinheiros.”

“as uvas do mar / o sol dos desterrados / não é tanto uma viagem mas uma descida, peregrinação ao fundo de si mesmo / nunca poderemos ver Ítaca / espumas exaustas / o coração das trevas / os camarotes da morte”

“As náiades falavam uma língua franca e fumavam muitíssimo; fumavam deitadas na relva, olhando para o alto, para o céu, e viviam às vezes numa espécie de êxtase que as conectava com uma ideia, tão nítida quanto angustiante, de infinito.”

“nosso futuro é inescrutável e que os caminhos da vida traçam desenhos estranhos.”

“uma atmosfera de incomunicabilidade.”

“escrever significa transformar a vida em passado”


Enrique Vila-Matas 🇪🇸 (1948-) é um premiado escritor catalão, nascido em Barcelona. As suas obras são uma mescla de ensaio, crónica jornalística e novela. A sua literatura, fragmentária e irónica, dilui os limites entre a ficção e a realidade. Em 1968 foi viver em Paris, autoexilado do governo de Franco e à procura de maior liberdade criativa.