Adivinhas de Pedro e Inês é um romance histórico feito de muita investigação e imaginação, que relata a história do amor trágico de D. Pedro e Inês de Castro. A voz que tudo desvenda sobre os mais conhecidos amantes portugueses, é de uma mulher que visita lugares míticos, levanta e questiona dados biográficos, reflete sobre a verdade histórica arrumada em arquivos, “lê” as pétalas interiores e exteriores da rosácea da cabeceira do túmulo de D. Pedro, consagradas respectivamente aos amores idílicos e aos amores punidos, desmonta mitos.
A história de Pedro e Inês recebe aqui um tratamento a situá-la na sua figura própria, que é o carácter da pessoa. A verdade é um estado de fé. Descobrir nos arquivos os sinais dos acontecimentos é menos importante do que descobrir a maturidade do tempo em que os acontecimentos se deram e, por conseguinte, a verdade. Não se trata de um romance nem de uma biografia, ou de um pretexto de autonomia em vista de uma cultura. É uma obra de investigação, mas fora das indicações imperativas sobre a maneira de conduzir um estudo deste teor. A imaginação, tão corrompida pelo maquinal da razão e do gosto, tem aqui um papel principal, o papel das luzes no sentido mais amplo. Sobretudo o que interessa a Agustina Bessa-Luís é compreender a dependência em que se encontram as decisões da vontade humana frente à soberania da razão momentânea, ditada pelos grupos dominantes e pela natureza regressiva de todas as coisas. A grande alternativa do nosso tempo está em aceitar a aliança com os elementos que compõem uma sociedade, e desse modo chegar ao conhecimento. Assim é o método da nova História; tudo o mais é confusão e temor. Em certo momento Pedro e Inês puderam significar um passo no caminho da autoridade humana. A forma patriarcal do regime é abalada pela paralela competência da ordem homem-mulher. Mas a razão tem o seu calvário próprio e nem sequer se pode dizer que ela é propensão que visa acabamento e perfeição. É sob formas teológicas que nós sustentamos os nossos sonhos de liberdade. O mito corresponde ao sentimento de insegurança perante um acréscimo da razão; e, no entanto, por si ela se move.

“Visitei há muitos anos a Quinta das Lágrimas, onde se diz que Inês foi morta. Lembro-me que se transpunha o rio atravessando uma ponte de madeira cujas tábuas gemiam e baloiçavam (…) Depois da morte de Inês, acontecida nesses famosos lugares, andou sete meses dementado o Infante, queimando e destroçando aldeias e semeaduras; tais flagelos sangravam do seu coração…”

E termina assim:

Porque teve Inês, na sua maturidade, um intuito tão manifesto de ser rainha? A ambição resulta da felicidade ignorada. Possivelmente ela nunca amou D. Pedro, e a sua vontade de poder era uma forma de suspirar (…)


Agustina Bessa-Luís 🇵🇹 (1922-2019) nasceu próximo de Amarante. Concluídos os estudos, fixa-se no Porto, edita sua primeira obra Mundo Fechado (1949). Depois, A Sibila coloca definitivamente o seu nome entre os maiores da literatura contemporânea, cristalizando o seu estilo e as principais referências do seu imaginário, nomeadamente a relação com o espaço geográfico da região duriense. Entre outras, merecem destaque obras como As Fúrias, Meninos de Ouro, Corte do Norte, O Princípio da Incerteza. Paralela à criação literária,  desempenhou ainda funções institucionais, como a direção do jornal “O Primeiro de Janeiro”, ou diretora do Teatro Nacional D. Maria II. A escritora que de si própria dizia ser “muito conhecida, mas pouco lida” acabaria por se retirar durante mais de dez anos da vida pública por razões de saúde.